Mesa da Palavra
O bom pastor dá a vida por suas ovelhas
Para compor a cena da narrativa do Evangelho de hoje é preciso sair do ambiente urbano e viajar ao campo. O cenário é pastoril, mas distante da realidade brasileira. Na verdade não é comum esse tipo de pastoreio no nosso país. Por isto o esforço para compor, com os olhos do coração, este cenário será um pouco maior. Por outro lado isto tem suas vantagens, eis que nos oferecerá maior liberdade para dar asas à imaginação.
Para Jesus, ao contrário, pastores e ovelhas andavam, desde o nascimento, sempre por perto. Nas tantas caminhadas terá se assentado para descansar ao lado de pastores. Dentre eles terá observado aqueles mais cuidadosos, os que gostavam realmente dos animais e os outros, meros cumpridores da obrigação, só tendo aquela profissão porque necessitavam do dinheiro. Esses eram descuidados não dispensando ao rebanho a atenção requerida.
Jesus se nomeia pastor e ao fazer isto terá pensado naqueles bondosos e cuidadosos curando ovelhinhas feridas, enquanto lhe contavam histórias de enfrentamentos noturnos de animais selvagens e até de ladrões. Por isto nos diz que não é simplesmente um pastor. Isto não é o bastante. Ele é o bom pastor.
Interessante notar que o uso do artigo definido exclui outros possíveis bons pastores. No pastoreio dele não há como se fazer comparações. Não existiram, nem temos hoje, ou haverá no amanhã pastores como Ele. Nosso Senhor é único na bondade infinita da condução do seu rebanho rumo às verdes pastagens e águas cristalinas, como cantava o salmista.
Não se é bom pela metade. Ser bom é doar-se todo. Não ter hora e nem limites para o cuidado com as ovelhas. Jesus é bom e isto significa que nada ponderará ou medirá na bondade com aqueles que o Pai lhe confiou. Ser bom pastor é se colocar na posição de servidor das suas ovelhas. A existência do pastor se justifica no rebanho a ser cuidado.
O bom pastor conhece as suas ovelhas e por elas é reconhecido. Ele sabe das agruras e necessidades que sentem. Elas o reconhecem porque Ele as ama, é afetuoso e as escuta. Reconhecer o outro é o primeiro passo para o Amor. Somente quem é reconhecido torna-se capaz da descoberta do se sentir amado, imbuído da plena dignidade de filho de Deus.
É preciso que reforcemos a certeza de que somos reconhecidos por Jesus como suas ovelhas queridas. Para cada um de nós Ele tem uma mirada especial, única. Ele nos resgata naquele olhar infinitamente amoroso, talvez perdido em algum momento da infância.
Cada ovelha do rebanho é um sonho estupendo da Trindade Santa. Deus, através do bom pastor, vibra conosco, nos imaginando bem maiores do que somos hoje. Por isto, impele-nos sempre ao crescimento. Por mais que tenhamos falhado e nos afastado, seu olhar cuidadoso e confiante nas nossas capacidades se mantém firme.
Vivemos tempo fértil de pastores. Há vários por aí, mas nenhum deles é o bom. Alguns até os identificaremos como mercenários em busca da lã dos rebanhos. O bom pastor mira o coração das suas ovelhas. Ao mesmo tempo notamos que o olhar do Bom Pastor vai além. Está posto nos tantos cordeirinhos que ainda não fazem parte do seu rebanho. Somos nós, as ovelhas do seu redil, que deveremos sair mundo afora em busca dessa multidão ansiosa pelo Bom Pastor.
A imagem bucólica de um bando de ovelhinhas parecendo clonadas não faz jus ao bom pastor. Somos ovelhas humanas a construir a história rumo ao Pai. Definitivamente que não somos cordeirinhos totalmente previsíveis no modo de pensar, sentir e agir.
Somos criados na liberdade de Deus, à sua imagem e semelhança. Diferentes demais daqueles animaizinhos do campo que só realizam aquilo que o instinto lhes determina. Nascemos “ovelhas” humanas para nos tornarmos santos e diferentemente dos belos cordeirinhos, cada um de nós possui missão específica e concreta no mundo.
É preciso tomar cuidado para não se cair na imagem da “ovelha de presépio”. Aquela que não indaga, não tem dúvidas e por isto não cresce. Somos convocados a ser mais. No passado caiu-se várias vezes na tentação de crer que as “ovelhas” não ordenadas eram meras possuidoras do que se chamava “fé do carvoeiro”. Ou seja, críamos porque a Igreja assim o cria.
Não é bem assim. Nós cremos porque tivemos um encontro pessoal com o bom pastor, Jesus Cristo. Tenhamos atenção para não deixar que as saudades de um tempo pré-conciliar, por parte de alguns setores, leve-nos a novos escorregões nesta linha.
Pistas para reflexão durante a semana:
– Reconheço em mim a voz do Bom Pastor?
– O que tenho feito pelas ovelhas fora do aprisco do Senhor?
– Qual a razão da minha fé?
Fernando Cyrino