O deserto: lugar de passagem de Jesus e nosso
1º Domingo da Quaresma – Ano B
Em seguida o Espírito impeliu Jesus para o deserto. E Jesus ficou no deserto durante quarenta dias, e aí era tentado por Satanás. Jesus vivia entre os animais selvagens, e os anjos o serviam. Depois que João Batista foi preso, Jesus voltou para a Galileia pregando a Boa Notícia de Deus:
“O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e acreditem na Boa Notícia”. Mc. 1,12-15
Aquele era um homem muito ocupado. Nunca tinha tempo para nada, muito menos para Deus. Mesmo sentindo que sua vida necessitava de uma parada, ele sempre arrumava um jeito de dar uma desculpa e continuar envolto nas suas preocupações diárias. A vida ia assim até o dia em que seu corpo, que já dava sinais de que iria adoecer, praticamente estourou. Nosso amigo jazia adormecido há quarenta dias numa cama de CTI. As luzes fortes, o agito de muita gente em volta e o burburinho das máquinas e respirações tensas e difíceis enfim o acordaram. Meio grogue, por conta dos remédios, custou a entender o que havia acontecido. Pouco a pouco, concluiu que fora obrigado a uma parada. Aquele ambiente todo branco de hospital seria o seu deserto. Naqueles dias, servido pelos “anjos” e tentado a voltar aos “animais selvagens” que lhe eram tão íntimos teve, enfim, tempo para se aproximar de Deus e optar por qual vida iria ter, daí por diante.
Entramos na Quaresma e isto significa que nesses próximos quarenta dias, não deixaremos que Jesus suba sozinho para Jerusalém. Iremos juntos e para que estejamos mais intimamente ligados a Ele, é necessário que aproveitemos este “Tempo Forte” para nos purificar.
Quanto mais limpos estivermos, mais aptos iremos nos sentir, para compreender as coisas do Reino. Que esta não seja apenas mais uma Quaresma, a ser atravessada na vida. Que a façamos de alguma maneira diferente, o que significa mais perto daquele com quem estaremos durante a subida.
Quaresma vem do Latim quadragésima e tem o significado de quarenta. São aqueles dias que Jesus permaneceu no deserto, purificando-se e até sendo tentado por Satanás, que significa adversário, inimigo e opositor. O número quarenta na Bíblia tem o sentido de tempo suficiente, aquele período necessário para que se cumpra a preparação de algo muito importante.
Assim são quarenta dias de dilúvio; quarenta dias nos quais Moisés permanece no monte jejuando; quarenta anos que o povo de Deus caminha pelo deserto; quarenta dias após a ressurreição para acontecer a ascensão e, no Evangelho de hoje, também os quarenta dias, nos quais Jesus permanece no deserto. Mais que um número é preciso que nos apropriemos dele, como aquele tempo que seja satisfatório. O tempo necessário para nos santificar.
Após ser batizado pelo Batista vai crescendo ainda mais em Jesus a consciência da missão de pregar o Reino. Sente então a urgente necessidade de reforçar-se, para assumir, com mais ênfase, o serviço de Deus.
Jesus repara que o caminho não seria nada fácil. Percebe o tanto de conflitos que sua Palavra iria gerar, em meio ao seu povo. É preciso mais e melhor se preparar para tão importante missão. Ele sabe que carece do Pai e do Espírito Santo para cumpri-la a contento. Nesse tempo de preparação buscará aproximar-se, mais ainda, do carinho e misericórdia da Trindade Santa.
Por isto se afasta e vai para o deserto. Aqui estamos diante, mais uma vez, de algo bem simbólico. Deserto não precisa necessariamente ter o sentido de lugar seco, vazio e quente. Ao se afastar para o “deserto”, devemos reparar mais na postura interior, do que exterior de Jesus.
Ele, para estar mais próximo do Pai, se distancia do meio do mundo. Nesse seu lugar recolhido, Jesus irá sentir toda tensão inerente à sua humanidade. Esta vai crescendo, na medida em que toma mais consciência de aonde poderia dar o caminho, a que se propõe seguir, para nos trazer a salvação.
Marcos expõe-nos este conflito, de uma maneira bem interessante e muito didática. De um lado estão os anjos a servir e cuidar de Jesus. Do outro a presença dos “animais selvagens”. A tentação do mundo em oposição ao caminho do Reino de Deus. Ao contrário de nós que, diante da tensão gerada pelo pecado, podemos cair, Jesus jamais cede. Ele é um ser plenamente íntegro. Está todo voltado para Deus. Não se coloca dividido como costumamos muitas vezes estar. Assim, os “animais selvagens” e Satanás são vencidos no seu deserto.
Para contextualizar o momento, o evangelista nos dá dois sinais importantes: João Batista já tinha sido preso e agora então, a hora passa a ser de Jesus. O momento de Deus anunciado pelo Batista à Beira do Jordão tinha enfim chegado. O outro é que o tempo já se completara e o Reino de Deus está próximo! Diante deste cenário do Filho de Deus, assumindo totalmente a cena para nos trazer a Palavra da Salvação, não se pode permanecer indiferente. É preciso se converter e crer no Evangelho.
É isto a Quaresma. Mudar a direção dos nossos caminhos para poder seguir, livres das amarras trazidas pela tensão do mundo, com Jesus até a Páscoa. Sim, o término da caminhada não é a Sexta-feira Santa, mas o sepulcro vazio, tendo a presença dEle, de novo, no meio de nós. O chamado é para que aproveitemos a caminhada com Jesus para Jerusalém, não para chorar a sua morte. Esta já sabemos, desde a catequese, que irá acontecer.
O convite quaresmal podemos entendê-lo, mais como maneira para tratar das “nossas mortes”. Cuidar de tudo aquilo que precisamos nos desvencilhar, para assumir plenamente a Ressurreição de Jesus e assim, livres, podermos nos colocar ao seu lado.
Pistas para reflexão durante a semana:
– De quais tipos de “animais selvagens” devo me precaver na caminhada quaresmal?
– Irei parar algum dia, ou mesmo num final de semana, para fazer o meu deserto?
– O que pretendo realizar de diferente nesta Quaresma?
1ª Leitura – Gn 9, 8-15
2ª Leitura – 1Pd 3,18-22
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