O urgente e o necessário na hora da acolhida
Liturgia da Missa – Reflexão sobre a Palavra
Ano C – XVI domingo do tempo comum – 21-07-2013
Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: ‘Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!’ O Senhor, porém, lhe respondeu: ‘Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada.’ Lc. 10, 38-42
A mãe mostrava aos filhos sobre o que realmente importa na vida. Tomou bela vasilha de cristal e a encheu com pedras. Perguntou então se a jarra estava cheia. Sim, foi o que, em coro, responderam. Pegou um punhado de seixos, pequenos e roliços, os jogou por cima das pedras. Simples balanço fez com que se ajeitassem. Indagou de novo e aí os filhos, desconfiados de que ainda caberia algo, permaneceram calados. A mãe então encheu as mãos com fina areia metendo-a no recipiente. A areia se acomodou lá dentro. Questionou-os pela terceira vez. Responderam que agora estava cheia. Tomou um copo, o derramou devagarzinho na jarra. A água coube toda. De novo questionada, esperta, a criançada afirmou haver ainda havia lugar para mais coisas. Gotas de anilina para tingir a água ou um punhado de sal, também caberiam. E a mãe encerrava seu ensinamento dizendo que para preencher a vida precisamos colocar as “pedras” na ordem certa. Há a maior pedra, Deus, vem primeiro. Em seguida aquelas outras, grandes, que verdadeiramente importam, devem ser postas. Depois irão se acomodando dentro de nós as tantas outras menores.
A Mesa da Palavra de hoje nos fala de acolhida. Acolher é, na pessoa do irmão, receber Deus em casa e aprender com Ele. Para isto devemos estar atentos. Em prontidão, como Abraão que permanece “de pé ao lado das visitas enquanto comem” (Gn 18,1-10a), ou ouvindo-o atentamente, como Maria ao acolhê-lo na sua casa. O cuidado e carinho bem grandes para com as mulheres, usual nos relatos de Lucas, nos é apresentado através dessa bonita cena familiar.
A história nos mostra que o Senhor, na subida para Jerusalém, não mantém os olhos postos somente no fim da peregrinação. Ele está atento ao que acontece à volta e aos que vivem nos arredores. É assim que entra nos povoados. De repente está diante de Marta e Maria, como também pode, no “nosso povoado”, visitar-nos. Como devemos nos portar diante dele? É isto que o evangelista quer nos mostrar. Marta e Maria são para nós protótipos do comportamento na boa acolhida do Senhor.
Podemos acolhê-lo como Marta, cuidando da casa e preparando coisas gostosas para que Ele possa comer e ficar satisfeito. Podemos também recebê-lo como Maria, sentindo o momento que é único e não se dispersando nos afazeres, perdendo o que há de melhor para ser aproveitado. Tendo consciência disso, Maria saboreia a sua presença, curte sua intimidade e bebe cada palavra que sai da sua boca.
São duas formas de acolher. Cada uma delas com seus méritos. Cada qual, dentro do seu jeito, irá deixar o hóspede confortável. Mas há, Jesus vem nos ensinar, uma escala de valores no acolhimento. Isto quer dizer que uma delas tem a primazia, é especial. Deixar tudo para só ter olhos e ouvidos para o hóspede, o Senhor, a parte escolhida por Maria, é que é a primeira, a melhor.
Ao dizer que Maria escolheu a melhor parte Jesus não quer falar que a outra esteja errada. Jesus não condena Marta por fazer coisas. Ele apenas diz que Maria foi mais esperta e optou pelo que era melhor e que sua escolha não lhe será tirada.
Olhando as duas amigas de Jesus cabe nos perguntarmos. Com qual delas nos identificamos mais? Ficamos no serviço, como Marta e perdemos a intimidade gostosa, que a proximidade do Senhor, através da oração, nos traz? Ou nos colocamos, nos momentos reservados para Ele, totalmente disponíveis para escutá-lo, como Maria?
Além dessas duas possibilidades é possível identificarmos também “acolhimentos” que na escala de valores de Jesus apareceriam bem abaixo. Temos o ativismo total. Gente que acha que ser cristão é só fazer, como se atuassem em alguma ONG ou obra social. Não tem tempo para o Senhor e acabam se frustrando por não enxergarem um sentido maior no que realizam.
Há também o acolhimento burocrático do cumpridor de preceito. “Já fui à missa, dei esmola, paguei o dízimo. Cumpri a obrigação. Agora cuidarei da minha vida”. É o que parecem estar querendo dizer.
Há vários tipos de tempo. Sem dúvidas que o tempo principal para nos colocarmos aos pés do Senhor para ouvi-lo, senti-lo e comê-lo é a Eucaristia. Além dele há também os minutos reservados ao “retiro” da oração diária e eventualmente podemos ter tempos mais ampliados para um retiro, peregrinação, um dia de formação e recolhimento…
Existem tempos também para a dedicação às obras, serviços, cuidados com o próximo e pobres. Todos eles são tempos de Deus e quando os fazemos por amor e com misericórdia, estamos como Maria, também junto dele escutando-o. É que quando escolhemos a melhor parte e deixamos que o Senhor se faça todo em nós, poderemos seguir para as tarefas continuando nelas a oração que fazíamos diante dele.
Estaremos então vendo e sentindo Deus em todas as coisas. Fazendo da vida inteira uma só oração, sendo no meio da ação e correria do mundo, homens e mulheres contemplativos e não meros ativistas de uma causa.
Nessa passagem de Marta e Maria poderemos verificar também interessante exemplo de discernimento. Discernir não é optar entre uma coisa boa e outra má. Escolher o bom comparado ao ruim é mera questão de inteligência. Discernir é escolher entre coisas boas, aquela que mais me levará ao fim para o qual sou criado: Deus. Discernir é colocar as pedras grandes em primeiro lugar. Se não fizermos isto não sobrará na nossa vida espaço suficiente para elas.
Discernir é também, com a ajuda do Senhor (discerne-se em clima de oração e de entrega à vontade de Deus), saber separar o que seja importante e urgente na vida. É comum que se confundam esses dois aspectos. É que no dia a dia o urgente, aquilo que necessitamos cumprir rapidamente, acaba se tornando por demais envolvente e o importante, aquelas coisas que são mais necessárias no longo prazo (as que importam realmente), podem terminar relegadas a um segundo plano.
Ao acolhermos o Senhor que chega através de “anjos”, como chegou a Abraão, nos ponhamos atentos à chegada de uma novidade transformadora da vida. Na acolhida de Abraão o que chega é a gravidez de Sara, estéril e idosa. No nosso caso cabe ficarmos de prontidão para não descartarmos, por não reconhecê-la, a graça que o Senhor nos traz quando o recebemos. É impossível sua passagem por alguém sem que ele tenha a vida, de algum modo transfigurada.
Esses tempos de pós modernidade não são de muito cuidado com a acolhida. A violência e o dia a dia agitados fazem com que nos fechemos. As relações vão se fazendo mais fluidas. Já disseram, com muita propriedade, que elas se tornam mais “líquidas”. Isto faz com que, menos ainda do que o receber, acabemos por desconhecer o próximo.
O que temos de melhor a oferecer é o nosso tempo e é este que acabamos negando ao outros. No afã do “fazer muitas coisas” deixamos de escutar, como Maria, a quem nos chega e perdemos a descoberta do mistério de Cristo do qual nos fala Paulo na segunda leitura ( Cl 1,24-28 ).
Para reflexão durante a semana:
– O que é mais importante e o que é mais urgente na minha vida?
– Com qual das duas irmãs me pareço mais?
– Meu jarro está cheio ou ainda há espaços vazios nele? O que o preenche?
Fernando Cyrino
www.fernandocyrino.com