Ocupação Dandara: “quem está usufruindo e dando função social é o legítimo dono”
“Não estamos em um Estado democrático de direito, mas em um Estado violentador dos direitos humanos, um Estado de injustiça estrutural”, diz a advogada.
Por uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, de 19-02-2013, está suspenso via liminar o mandado de reintegração de posse contra a ocupação Dandara, localizada na Pampulha, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Dessa forma, a comunidade pode continuar a construir suas casas e levar adiante o processo de organização de suas vidas, ainda que este resultado não seja o final. De acordo com a advogada popular Maria do Rosário de Oliveira Carneiro, responsável por defender Dandara junto à Justiça, num caso como o dessa ocupação “se está diante de um Estado, um município e uma construtora de um lado, e, do outro, centenas de famílias que não tinham um lugar para morar. E só depois da Comunidade Dandara é que a maioria dessas famílias pôde alimentar melhor seus filhos, pois deixaram de pagar o aluguel, um veneno que come no prato dos pobres todos os dias”.
A advogada afirma na entrevista por e-mail à IHU On-Line que “não é comum encontrarmos jurisprudências no Brasil defendendo o direito constitucional, social e fundamental à moradia obrigando o Estado a cumprir com tal obrigação e muito menos reconhecendo e defendendo a função social da propriedade e a dignidade da pessoa humana”. Maria do Rosário ressalta que é preciso reconhecer que não basta somente o título de propriedade, mas “garantir a função social é um passo indispensável para se garantir justiça social no Brasil”. A seu ver, o Estado não agiu de forma diferente em relação às ocupações Dandara e Pinheirinho. O que muda é a maneira de organização das comunidades. “Resta para os pobres se organizarem, construírem lideranças fortes e capacitadas na defesa de direitos, somar as lutas e criar redes de apoio e solidariedade, pois se torna muito difícil lutar de maneira isolada”. E acrescenta: “Como conceber que poderes econômicos internacionais comprem as terras brasileiras enquanto que milhares de brasileiros não têm sequer um pedaço de chão para construir sua casa e viver com dignidade? A forma como estão distribuídas as terras no Brasil é o mais contundente estímulo à desobediência civil, às ações de ocupações, pois é a alternativa que resta na maioria dos casos: ocupar, resistir, construir e produzir alimentos, comunidades, vida com dignidade”.
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro é advogada popular, integrante da Rede Nacional de Advogados Populares – RENAP. Juntamente com outros advogados populares e com a Defensoria Pública de Minas Gerais, atua no processo judicial da Ocupação-Comunidade Dandara, em Belo Horizonte-MG.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que a decisão do Tribunal de Justiça de Mintas Gerais – TJMG, de 19-02-2013, prevê para a Ocupação-Comunidade Dandara? Qual é a situação jurídica da ocupação neste momento?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – A decisão do TJMG no dia 19-02-2013 manteve suspenso o mandado de reintegração de posse contra a comunidade Dandara. Trata-se de uma decisão do juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Minas Gerais, Dr. Manoel dos Reis Moraes, que quando recebeu o processo de Reintegração de Posse da 20ª Vara Cível, com mandado de reintegração expedido, suspendeu tal mandado. Desta decisão, a construtora Modelo recorreu e este recurso é que foi julgado no dia 19-02 último. No julgamento, por unanimidade, foi mantida a posse para a comunidade Dandara. Isso garante à comunidade a continuidade das construções das casas, já bastante avançadas e a continuidade de seu processo de organização interna e externa.
A situação jurídica da comunidade neste momento é a seguinte: existem dois processos judiciais que envolvem a comunidade. A Ação de Reintegração de Posse, de iniciativa da construtora Modelo, em que esta figura como autora, tendo a comunidade Dandara como ré e a Ação Civil Pública – ACP movida pela Defensoria Pública de Minas Gerais, a especializada em direitos humanos, em que a comunidade Dandara é autora e figuram como réus o estado de Minas Gerais, o município de Belo Horizonte e a construtora Modelo.
Junção dos processos
No final de 2011, a Defensoria Pública e os advogados populares que atuam nos processos conseguiram que o Tribunal de Justiça de MG reconhecesse que havia conexão entre os dois processos, o que levou a Ação de Reintegração de Posse – ACP da 20ª Vara Cível, com mandado de reintegração expedido, para a 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual, onde estava a ACP. Os motivos para que houvesse a junção dos processos são porque, primeiro, é uma possibilidade jurídica e, segundo, pela amplitude dos pedidos na ACP. O município e o estado, na ACP, podem ser condenados a garantir moradia digna para as centenas de famílias que vivem na comunidade. Na ACP não se discute apenas a posse como no processo cível, discute-se o direito fundamental/constitucional à moradia, discute-se direitos sociais, dignidade da pessoa humana, responsabilidade estatal de garantir tais direitos. Depois desse último julgamento aguardamos nova audiência para decidir o mérito nos dois processos.
IHU On-Line – Em termos jurídicos, quais são os próximos passos a serem tomados?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – O próximo passo é aguardar a agenda da audiência de instrução e julgamento que decidirá o mérito nos dois processos, quando teremos uma sentença. Importante frisar que a comunidade Dandara sempre esteve aberta ao diálogo, à possibilidade de conciliação e acordo. Contudo, muito consciente de seus direitos. Um eventual acordo tem que levar em conta a parte mais fraca que dialoga. Em um caso como este, estamos diante de um estado, um município e uma construtora de um lado, e, do outro, centenas de famílias que não tinham um lugar para morar. E só depois da comunidade Dandara é que a maioria dessas famílias pôde alimentar melhor seus filhos, pois deixaram de pagar o aluguel, um veneno que come no prato dos pobres todos os dias.
IHU On-Line – Quais são os maiores entraves já vencidos e o que ainda vem pela frente em termos de desafios?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – Os maiores entraves vencidos foram três: a) conseguir derrubar a decisão de reintegração de posse (mandado de despejo); b) conseguir que o Tribunal de Justiça reconhecesse a conexão entre os dois processos e retirar o da 20ª Vara Cível, cujo juiz entendia que as famílias deveriam ser despejadas; e c) construir quase mil casas ao mesmo tempo em que se construía uma comunidade formando lideranças. Nisso a contribuição das Brigadas Populares e da Rede de Apoio e Solidariedade têm sido imprescindível. Um fato que me emociona muito é o que aconteceu no início da comunidade quando a polícia militar de Minas Gerais ficava 24 horas vigiando a terra (“propriedade privada”) para não deixar as famílias entrarem com material de construção. As pessoas foram muito resistentes e criativas. Teve mães que, para sair do barraco de lona, carregavam os tijolos no carrinho de bebê e assim conseguiam driblar a vigilância da polícia e entrar com o material de construção, dando início à confecção das casas de alvenaria.
Direito humano fundamental
Os desafios que vêm pela frente, mas que já estão presentes, são as instalações de água, luz, saneamento e demais serviços públicos na comunidade. Não é concebível a negativa do município de Belo Horizonte para instalar esses serviços com o argumento de que se trata de uma “área irregular”. Trata-se de direito humano fundamental. Água e energia são direitos elementares. É um crime negar água a centenas de pessoas, incluindo idosos, crianças, deficientes etc. A Constituição não põe qualquer restrição. Não diz, por exemplo, ser direito desde que… Portanto, a regulamentação destes direitos por meio de leis, decretos e termos de ajustes de condutas, por parte do município, não pode limitá-los e, pior do que isso, negá-los. A comunidade vem travando esta luta. Esta negativa do poder público força o povo a fazer instalação clandestina dos serviços e os submete a uma série de riscos, como já ocorreu na comunidade com pessoas que tentavam instalar a energia e sofreram acidentes. Um trabalhador morreu eletrocutado, inclusive.
IHU On-Line – Há precedentes nesse tipo de ação em outras ocupações no Brasil?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – Os precedentes ainda são poucos. Neste mesmo dia em que ocorreu o julgamento no processo da comunidade Dandara o TJMG também manteve suspensa a reintegração de posse a favor de várias famílias de uma ocupação na cidade de Timóteo, no Vale do Aço, Minas Gerais, também fruto da luta incansável das famílias e dos advogados populares que acompanham o caso. Recentemente, no estado do Maranhão, uma comunidade denominada Cipó Cortado, trabalhadores e trabalhadoras que há quase sete anos ocupam um latifúndio que não cumpria sua função social obtiveram uma decisão judicial favorável à manutenção da posse.
Note que, tanto no caso de Dandara como nos outros que citei, trata-se de decisões liminares, ou seja, ainda não é a decisão definitiva. Não é comum encontrarmos jurisprudências no Brasil defendendo o direito constitucional, social e fundamental a moradia; obrigando o Estado a cumprir com tal obrigação e muito menos reconhecendo e defendendo a função social da propriedade e a dignidade da pessoa humana. Injustamente, ainda se mantém nos tribunais a defesa da propriedade de alguns e, muitas vezes, de forma absoluta. Reconhecer que não basta o título de propriedade, mas que precisa garantir a função social, é um passo indispensável para se garantir justiça social no Brasil. Essa é uma grande luta da advocacia popular militante que, em quase todo o Brasil, juntamente com as Defensorias Públicas Estaduais, vem aguerridamente lutando para construir precedentes neste sentido. Cabe recordar que a noção de propriedade privada tem pouca história. O que é muito antigo é a noção de posse: quem está usufruindo e dando função social é o legítimo dono.
IHU On-Line – Como compreender que o Estado tenha agido de forma tão diferente em Pinheirinho e em Dandara? O que há de semelhanças e diferenças nessas duas ocupações?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – Eu não conhecia profundamente a Ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos-SP. Penso que lá os interesses econômicos se sobrepuseram aos interesses sociais de centenas de famílias que foram jogadas na rua. Naji Nahas, que se dizia dono da terra, é uma pessoa de grandes influências com o governo de São Paulo e com os podres poderes que determinaram o despejo. Quando os poderosos se juntam contra os pobres é preciso muita resistência, organização interna e externa. As conquistas da comunidade Dandara até o momento são frutos das lutas travadas por ela. Sempre vigilante. A forma como a comunidade está organizada transmite um recado à sociedade: temos consciência dos nossos direitos e não estamos a sós. Dandara conquistou uma grande rede de apoio em Belo Horizonte, Minas Gerais, no Brasil e no exterior. Não foi o Estado que agiu de forma diferente nos casos Pinheirinho e Dandara, mas as comunidades agiram de maneiras diferentes na forma de organização. O Estado, infelizmente, é o mesmo, sempre violento. Cada vez mais está atrelado às grandes empresas, ao latifúndio e na defesa dos interesses privados. Por isso resta para os pobres se organizarem, construírem lideranças fortes e capacitadas na defesa de direitos, somar as lutas e criar redes de apoio e solidariedade, pois se torna muito difícil lutar de maneira isolada.
IHU On-Line – Qual é a fundamentação jurídica para a defesa dessa ocupação de terras?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – A fundamentação jurídica é a defesa do direito à moradia, um direito fundamental garantido na Constituição da República. O município, o estado e o governo federal são obrigados a garantir moradia digna a todas as pessoas. Em Belo Horizonte, por exemplo, até o final de 2012 o prefeito Márcio Lacerda não havia construído nenhuma casa para famílias de zero a três salários mínimos pelo programa Minha Casa Minha Vida. Estas famílias, com uma renda mínima, escravizadas pelo aluguel, não tiveram outra alternativa, senão ocupar. Como afirma o povo das ocupações em uma palavra de luta: “Enquanto morar for privilégio, ocupar é um direito”, e um dever, acrescento eu. Não se trata de ocupar áreas já utilizadas. Trata-se de ocupar verdadeiros latifúndios, abandonados, sem cumprir o requisito constitucional da função social e, em muitos casos, com dívidas imensas de impostos, terras griladas e/ou devolutas. Também o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, basilar da Constituição brasileira, além de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, alicerçam tais ações.
IHU On-Line – Como podemos compreender que o Estado brasileiro normalmente defenda os grandes proprietários de terra em vez de assegurar terra aos pequenos?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – Isso passa pelo financiamento das campanhas. As grandes empresas vinculadas aos grandes proprietários e ao latifúndio cada vez mais financiam as campanhas e os governos ficam submissos a elas. Claro que diante dos acordos eleitorais as prioridades não serão os pequenos, os pobres. Vemos no Brasil, por exemplo, nos últimos anos, o projeto de reforma agrária silenciado e retrocedendo. Vemos movimentos sociais populares, como o MST e outros de luta pela terra, resistindo e insistindo, mas quase não há resposta por parte do governo. Enfim, não estamos em um Estado democrático de direito, mas em um Estado violentador dos direitos humanos, um Estado de injustiça estrutural. Ficar indignado e se rebelar diante de tantas injustiças são imperativos éticos. Feliz quem não se omite e nem se faz cúmplice da opressão do capital. Feliz quem se compromete com a causa dos oprimidos e quer a libertação de todos, o que passa pela construção de um outro Estado e de uma outra sociedade nos quais caibam todos e tudo.
IHU On-Line – Como podemos compreender que a conjuntura do agronegócio (com um viés notadamente marcado por monoculturas), a construção de grandes condomínios e mesmo obras do PAC mobilizam os esforços da justiça sem que sejam tomadas em consideração as demandas das camadas populares?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – Não podemos perder de vista que estamos em uma sociedade capitalista, cujos interesses fluem na direção do lucro, do mercado e da defesa da propriedade privada. O capitalismo e os capitalistas são sempre sádicos. A eles interessam reduzir tudo a mercadoria e não podemos nos enganar: para a manutenção desta sociedade capitalista, os poderes atuam de forma atrelada. A Comissão Pastoral da Terra – CPT aponta para o fato de que de 1985 a 2009, em média, anualmente, 2.709 famílias foram expulsas de suas terras e que, em média, 63 pessoas foram assassinadas em luta por terras anualmente no Brasil. Uma média de 13.815 famílias foram despejadas pelo Judiciário, com medidas do poder Executivo, cumpridas por policiais. Pessoas presas por lutar por terras (média anual): 422 pessoas. Foi constatado, à época, 92.290 famílias na luta pela terra e uma média anual de 6.520 ocorrências de situações análoga ao trabalho escravo. Segundo o livro Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2004), lançado anualmente há 28 anos, “a violência no campo tem várias faces, mas um só coração: a estrutura fundiária concentrada e o excludente modelo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro”. Essa publicação atesta a perpetuação e o agravamento dos conflitos no campo causados pelo agronegócio, que agride o meio ambiente e fere os direitos dos camponeses. Para Maria Luisa Mendonça, coordenadora e editora nos últimos dez anos do relatório anual sobre os direitos humanos no Brasil, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, “quando analisamos os direitos humanos no Brasil, constatamos que a concentração fundiária está relacionada à maioria das violações, por representar a origem das desigualdades sociais e econômicas”.
A propriedade privada, a riqueza, bem como os recursos produtivos estão concentrados, efetivamente, causando a urbanização que tem caracterizado a história do Brasil nos últimos 100 anos. Lembra a autora que há dez anos a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos publica um relatório anual que analisa direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais no Brasil. Um balanço deste período mostra que o país segue sem enfrentar as principais causas das violações de direitos básicos, como a fome, o analfabetismo, a concentração fundiária, o enorme déficit de moradia, o caos na saúde pública e o descaso com a educação, apesar de ser o Brasil a 6ª maior economia do mundo. Os relatórios mostram que as violações aos direitos humanos são resultados de políticas econômicas neoliberais que geram maior desigualdade econômica e social. A concentração fundiária no Brasil está relacionada com a maioria das violações aos direitos humanos por representar a origem das desigualdades sociais e econômicas. O Censo do IBGE de 2006 revelou que as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 27% da área rural enquanto as propriedades com mais de mil hectares representam 43% do total.
O Estado como empresa
As prioridades de governo não são as demandas populares porque a lógica de governo é a lógica de um desenvolvimento econômico capitalista. O Estado equiparado a uma grande empresa. Por isso não se toca na questão da distribuição de renda, regulamentando, por exemplo, o preceito constitucional de criação do imposto sobre grandes fortunas. Fica-se na lógica da política de transferência de renda, com o Bolsa Família e outros programas, com a falsa aparência da inclusão pelo consumo, o que jamais poderá ocorrer. A inclusão tem que vir com a justa distribuição de rendas, com efetivação dos direitos sociais e fundamentais, com políticas que, de fato, garantam dignidade, mas não a dignidade sob a ótica governamental e dos empresários, dignidade sob a ótica do povo historicamente injustiçado. Esse povo tem o direito de dizer o que é melhor para ele, onde quer morar e trabalhar, enfim, decidir como e onde quer ser incluido.
IHU On-Line – Limitar a propriedade da terra é um elemento importante para promover a reforma agrária brasileira? Por quê? Com tantas terras improdutivas no Brasil, como podemos compreender que ainda existam agricultores que não têm onde plantar e viver?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – Limitar a propriedade da terra é sim um dos elementos importantes para promover a reforma agrária brasileira. O bom seria a extinção da propriedade privada. A terra deve ser justamente distribuída de forma equitativa. Trata-se de um bem natural. Nenhum ser humano a produziu utilizando seus próprios recursos, portanto, de onde vem o direito para que alguém dela se aproprie? Mas, enquanto a extinção esteja mais distante, faz-se urgente pensar a limitação. Aliás, é justamente por não haver um limite que existem os grandes latifúndios, em grande parte improdutivos e à mercê da especulação imobiliária. Um dado alarmante, por exemplo, é a crescente compra de terras brasileiras por empresas internacionais para exploração econômica das riquezas naturais brasileiras. Como conceber que poderes econômicos internacionais comprem as terras brasileiras enquanto que milhares de brasileiros não têm sequer um pedaço de chão para construir sua casa e viver com dignidade? A forma como estão distribuídas as terras no Brasil é o mais contundente estímulo à desobediência civil, às ações de ocupações, pois é a alternativa que resta na maioria dos casos: ocupar, resistir, construir e produzir alimentos, comunidades, vida com dignidade.
IHU On-Line – Qual é a relação que existe entre a criminalização dos movimentos sociais, como o MST, e a demora na realização da reforma agrária?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro – A criminalização se dá justamente porque os movimentos sociais, como o MST, fazem frente contrária a essa lógica de governo do desenvolvimento econômico que favorece apenas o mercado. A criminalização, sobretudo por parte da mídia, é uma tentativa de desmobilizar as organizações populares e colocar a sociedade contra esses movimentos sociais. Com isso se prolonga ou se tenta retirar da pauta do governo o projeto de reforma agrária. Claro, com os movimentos enfraquecidos, sem apoio da sociedade, fica mais fácil desistir da reforma agrária. Mas os movimentos sociais, ao contrário do que algumas vezes parece, estão muito vivos e presentes. No Brasil, em matéria de direitos humanos as conquistas históricas são frutos dessas lutas, apesar de toda criminalização. Cresce, por exemplo, a força do movimento de comunicação alternativa que, com as redes “sociais”, tem construído debates e feito revelações que a mídia convencional esconde. A história mostra que quanto mais repressão, maior a resistência. É a máxima do grande companheiro, mártir de El Salvador, Dom Oscar Romero: “se me matam, vou ressuscitar na luta do meu povo”. Não tenho dúvida. Muitas vozes que foram caladas e criminalizadas estão plenamente vivas e presentes na resistência do povo injustiçado.
(Por Márcia Junges)
Fonte: Unisinos