Papa: “Queremos uma mudança real, positiva, redentora nas estruturas”

Publicado em 10/07/2015 | Categoria: Notícias Papa Francisco |


“Precisamos e queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança das estruturas”. Ao concluir o II Encontro dos Movimentos Populares em Santa Cruz de la Sierra, o Papa Francisco pronunciou o mais longo e contundente discurso desta sua nona viagem apostólica internacional, denunciando a ambição desenfreada pelo dinheiro, as novas formas de colonialismo e as agressões ao meio-ambiente.T O Pontífice afirmou que os “três T” – terra, teto e trabalho” são direitos sagrados pelos quais vale a pena lutar e propôs três grandes tarefas aos movimentos populares.


Necessidade de mudança

Ao começar falando da necessidade de mudanças, Francisco esclareceu que os problemas “têm uma matriz global” e que portanto dizem respeito à toda humanidade, chamando a atenção de que só reconhecemos que as coisas não vão bem quando explodem as guerras, a violência e a criação está ameaçada. O Papa reitera, que as diversas formas de exclusão não são questões isoladas, mas “têm um elo invisível” que as une, fruto de um sistema que “impõe a lógica do lucro a qualquer custo”, tornando-se uma situação insuportável para os camponeses, comunidades, povos e a irmã Terra, por isto, a necessidade de uma mudança:

“Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima; mas uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença”.

Uma mudança positiva, redentora

O Papa explicou que a mudança “que queremos e precisamos” é uma mudança positiva, que nos faça bem, “redentora”. “Verifiquei nas minhas viagens “que existe uma expectativa, uma busca forte, um anseio de mudanças em todos os povos do mundo”. E uma insatisfação, “e sobretudo tristeza”, reina mesmo “dentro da minoria (…) que pensa sair beneficiada deste sistema”.

Dinheiro, o esterco do diabo

A terra, os povos e as pessoas estão sendo castigados de forma quase selvagem, e por trás deste sofrimento está o “esterco do diabo” (expressão usada por Basílio de Cesareia), “reina a ambição desenfreada do dinheiro”, e assim, “o serviço ao bem comum fica em segundo plano”:

“Quando o capital se torna um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez do dinheiro domina todo o sistema socioeconômico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, faz lutar povo contra povo e até, como vemos, põe em risco esta nossa casa comum”.

O destino está em vossas mãos

Para o Papa, não basta assinalar as causas estruturais do drama social e ambiental contemporâneo, pois “já sofremos de um certo excesso de diagnóstico”, que nos leva ao pessimismo e a pensar que nada podemos fazer além “de cuidar de nós mesmos e dos pequenos círculo da família e dos amigos”. “O futuro da humanidade – exclamou o Papa, dirigindo-se aos mais humildes, explorados, pobres e excluídos – está nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e buscar alternativas criativas na busca diária dos “3 T” e na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudanças nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!”

Conversão das atitudes do coração

Francisco alertou, que uma “mudança de estruturas que não seja acompanhada de uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir”. Para evitar isto, enalteceu a “imagem do processo”, “onde a paixão por semear, por regar serenamente e que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados imediatos”.

Os heroísmos cotidianos, vividos muitas vezes na “crueza da tormenta humana”, o trabalho aparentemente insignificante, as lutas, o apego ao bairro, à terra, ao território, levam a assumir tarefas comuns motivadas pelo amor fraterno:

“A entrega, a verdadeira entrega nasce do amor pelos homens e mulheres, crianças e idosos, vilarejos e comunidades… Rostos e nomes que enchem o coração. A partir destas sementes de esperança semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do planeta, destes rebentos de ternura que lutam por subsistir na escuridão da exclusão, crescerão grandes árvores, surgirão bosques densos de esperança para oxigenar este mundo”.

O serviço da Igreja

O Papa encorajou os povos e suas organizações a construírem uma alternativa humana à globalização exclusiva, com criatividade, sem perder o apego às coisas próximas, mas construindo sobre bases sólidas, sobre as necessidades reais e a experiência. “Vós sois semeadores”, “mais cedo ou mais tarde vamos ver os frutos”. Neste sentido, o Santo Padre destacou o serviço da Igreja, que não deve ser alheia a este processo no anúncio do Evangelho:

“Muitos sacerdotes e agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e promovendo os excluídos em todo o mundo, ao lado de cooperativas, dando impulso a empreendimentos, construindo casas, trabalhando abnegadamente nas áreas da saúde, desporto e educação. Estou convencido de que a cooperação amistosa com os movimentos populares pode robustecer estes esforços e fortalecer os processos de mudança”.

As três tarefas dos movimentos populares

Para esta “mudança positiva” não existe uma receita. No entanto, o Papa propôs três grandes tarefas que requerem a decisiva contribuição do conjunto dos movimentos populares: colocar a economia a serviços dos povos, unir os povos no caminho da paz e da justiça e defender a Mãe Terra.

“A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da casa comum”, o que implica em “cuidar adequadamente os bens entre todos”, observou o Papa, explicando que uma “economia verdadeiramente comunitária, de inspiração cristã” deveria garantir aos povos dignidade, prosperidade e civilização em seus múltiplos aspectos, que além dos três “T”, envolvem acesso à educação, à saúde, à inovação, às manifestações artísticas e culturais, ao esporte e à recreação:

“Uma economia justa deve criar as condições para que cada pessoa possa gozar duma infância sem privações, desenvolver os seus talentos durante a juventude, trabalhar com plenos direitos durante os anos de atividade e ter acesso a uma digna aposentação na velhice. É uma economia onde o ser humano, em harmonia com a natureza, estrutura todo o sistema de produção e distribuição de tal modo que as capacidades e necessidades de cada um encontrem um apoio adequado no ser social. Vós – e outros povos também – resumis este anseio duma maneira simples e bela: «viver bem»”.

A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano – afirmou o Pontífice – não é uma mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, é um mandamento. “Trata-se de devolver aos pobres e às pessoas o que lhes pertence”. Os movimento sociais, neste sentido, tem um papel essencial, não apenas exigindo e reclamando, mas criando: “Vós sois poetas sociais!”. E quando o Estado e organizações assumem juntos a missão dos “3 T”, ativam-se os princípios de solidariedade e subsidiariedade que permitem construir o bem comum numa democracia plena e participativa.

Unir os povos no caminho da paz e da justiça

O Papa destacou que os povos do mundo querem ser artífices de seu próprio destino e nenhum poder constituído tem o direito de privar os países pobres do pleno exercício da sua soberania e quando o fazem, “vemos novas formas de colonialismo” que afetam as possibilidades de paz e de justiça.

Francisco volta-se para a realidade na América Latina, onde “os governos da região juntaram seus esforços para fazer respeitar a sua soberania”, “na forma como faziam os nossos antepassados”, para então exortar os movimentos populares a “cuidar e fazer crescer esta unidade”, evitando toda divisão.

Novo colonialismo

O novo colonialismo, nas suas diversas fisionomias – alertou o Papa – atenta contra este desenvolvimento humano equitativo e ameaça a soberania dos países da ‘Pátria Grande” e de outras latitudes do planeta:

“O novo colonialismo assume variadas fisionomias. Às vezes, é o poder anônimo do ídolo dinheiro: corporações, credores, alguns tratados denominados «de livre comércio» e a imposição de medidas de «austeridade» que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres. Os bispos latino-americanos denunciam-no muito claramente, no documento de Aparecida”.

Também os monopólios dos meios de comunicação social, como nova forma de colonialismo – denuncia o Papa – pretendem impor “padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural”. E devemos dizer não às “velhas e novas formas de colonialismo”.

Para resolver os graves problemas da humanidade, é necessário a interação entre Estados e povos, a nível internacional, frisou o Santo Padre. Mas esta interação, “não é imposição”.

Perdão pelos pecados da Igreja na colonização

Referindo-se aos “muitos graves pecados contra os povos nativos da América, em nome de Deus”, também Francisco, como fizeram seus predecessores, pediu perdão, acrescentando:

“Peço-vos também a todos, crentes e não crentes, que se recordem de tantos bispos, sacerdotes e leigos que pregaram e pregam a boa nova de Jesus com coragem e mansidão, respeito e em paz; que, na sua passagem por esta vida, deixaram impressionantes obras de promoção humana e de amor, pondo-se muitas vezes ao lado dos povos indígenas ou acompanhando os próprios movimentos populares mesmo até ao martírio. A Igreja, os seus filhos e filhas, fazem parte da identidade dos povos na América Latina. Identidade que alguns poderes, tanto aqui como noutros países, se empenham por apagar, talvez porque a nossa fé é revolucionária, porque a nossa fé desafia a tirania do ídolo dinheiro”.

Defesa da Mãe terra

A covardia em defender a casa comum, que está sendo saqueada, devastada e vexada impunemente é um pecado grave, disse o Papa, que lamentou a falta de resultados nos sucessivos encontros internacionais sobre o tema. “Não se pode permitir que certos interesses – que são globais, mas não universais”, se imponham, submetendo Estados e organismos internacionais , e continuem a destruir a criação”.

Ao concluir, o Papa Francisco afirmou que “O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança. Estou convosco”. (JE)

Fonte: Rádio Vaticano



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