Repercussão mundial: 50 anos demonstraram que o isolamento entre Cuba e EUA não funciona
Após anunciar a retomada das relações entre Cuba e Estados Unidos, os dois países devem adotar uma série de medidas para ampliarem o comércio e o fluxo de pessoas entre os dois países. Nos próximos meses, os estadunidenses deverão instalar Embaixada em Havana, como parte das ações que põem fim à ausência oficial do país na ilha. “Esses 50 anos demonstraram que o isolamento não funciona”, disse o presidente estadunidense, Barack Obama. “É hora de ter uma nova estratégia”, acrescentou o mandatário dos EUA. “Devemos aprender a arte de conviver, de forma civilizada, com nossas diferenças”, afirmou o presidente cubano Raúl Castro.
Em discurso oficial de anúncio da retomada das relações diplomáticas, transmitido pela televisão em cadeia nacional, Castro afirmou que o processo se deu a partir de um “diálogo respeitoso”, baseado na “igualdade soberana”, para tratar os mais diversos temas de forma recíproca. “Com a proposição de discutir e resolver as diferenças mediante negociações, sem renunciar a um só de nossos princípios”, disse. “O heroico povo cubano tem demonstrando, frente a grandes perigos, agressões, adversidades e sacrifícios, que é e será fiel aos nossos ideais de independência e justiça social”, destacou o socialista.
Para Obama, a política praticada entre os dois países há quase 53 anos está antiquada e não contribui para avançar em ambos os interesses. “Através dessas mudanças, temos a pretensão de criar mais oportunidades para o povo estadunidense e cubano e começar um novo capítulo entre as duas nações das Américas”, afirmou, em discurso oficial também divulgado pela televisão. “Estamos separados por pouco mais de 90 quilômetros, mas, ano após ano, uma barreira ideológica e econômica endureceu entre nossos países. No entanto, a comunidade cubana exilada nos EUA fez enormes contribuições ao nosso país — na política, nos negócios, na cultura e nos esportes”, reconheceu o capitalista.
O Papa Francisco foi crucial na mediação entre Cuba e EUA, funcionando como personagem-chave no diálogo entre as duas nações. Segundo o Vaticano, o Sumo Pontífice escreveu, durante os últimos meses, a Obama e Castro, “convidando-os a resolverem questões humanitárias de comum interesse, como a situação de alguns detidos”. Além disso, o Vaticano recebeu, em outubro passado, delegações de ambos os governos, sendo o único líder estrangeiro a participar das negociações.
Em nota divulgada pela Santa Sé, Francisco disse sentir prazer pelo restabelecimento das relações, “a fim de superar, pelo interesse dos respectivos cidadãos, as dificuldades que marcaram sua história”. Ambos os presidentes, em seus discursos de anúncio da retomada das relações, agradeceram pelo envolvimento do Santo Padre na facilitação do diálogo.
Principais medidas político-econômicas
Um extenso conjunto de mudanças para normalizar as relações entre os dois países já foi iniciado com a permuta entre presos políticos de ambas as nações. Nesta quarta-feira mesmo, 17 de dezembro, já houve a libertação de Antonio Guerrero Rodríguez, Gerardo Hernández Nordelo e Ramón Labañino Salazar, três dos cinco cubanos que ainda se encontravam presos em território estadunidense. Os três já estão em solo cubano. O Governo de Cuba, por sua vez, libertou o estadunidense Alan Gross, sentenciado a 15 anos de prisão, acusado de planejar a instalação de uma rede ilegal de telecomunicações na ilha socialista.
Os passos da reaproximação devem ser graduais. Daqui para frente, o Governo dos EUA deve retirar o nome de Cuba da lista de países que apoiam grupos terroristas e, mesmo ainda estando em vigor a lei de 1995, que impõe estritas sanções à ilha, se encaminha para flexibilizar as restrições de viagem e comércio. Estão previstas também ações para que empresas de tecnologia estadunidenses façam negócios para atuarem na infraestrutura de Internet da ilha.
Os EUA têm defendido o que consideram “maiores liberdades individuais e reformas democráticas” na ilha. No que compete ao Parlamento dos EUA, ainda não há perspectivas para que medidas complementares contribuam para o vínculo entre as partes, o que também pode mudar em um futuro próximo.
Repercussão e expectativas
O jornal The New York Times (NYT), diário de maior prestígio da mídia comercial nos Estados Unidos, publicou, nesta quarta, 17, que a retomada de relações é “um passo significativo que marca o fim de um dos capítulos mais desacertados da política exterior estadunidense”. Já o jornal Granma, periódico oficial do Partido Comunista de Cuba, avaliou a reabertura da diplomacia como uma medida de justiça, destacando o retorno dos cidadãos cubanos à pátria. “Voltamos!”, manchetou na capa da edição de ontem.
“Fidel [Castro, ex-presidente de Cuba] disse ‘voltarão’ e assim ocorreu. Esta foi uma batalha de milhões. O povo cubano sente uma grande alegria porque se restabeleceram as relações diplomáticas com os EUA na base do respeito mútuo e sem sacrificar nenhum princípio soberano”, destacou Yolanda Ferrer, presidente da Comissão de Relações Internacionais do Parlamento cubano, referindo-se ao retorno dos três presos cubanos ao país natal.
“Essa notícia é resultado da unidade que conseguimos (…). Essa decisão deve repercutir no mundo e marcará um antes e um depois em Cuba e na América Latina”, analisou o ministro das Indústrias cubano, Salvador Cruz. “É a forma que os EUA tiveram de reconhecerem uma série de erros de sua política direcionada a Cuba e, portanto, a necessidade de iniciar um novo tipo de política e, para nós, isso é um desafio também, porque mudam as regras do jogo, mas não muda o jogo”, ressaltou o historiador cubano Eduardo Cuevas.
Durante evento na Argentina, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, um dos maiores parceiros políticos de Cuba, destacou que, agora, se inicia uma nova etapa da história do país caribenho. “É uma nova história moral, da ética, da resistência, da lealdade aos valores. É a história de Fidel, do povo cubano”, disse. “O presidente Obama não pode seguir insistindo em uma política de tratar de levar Cuba ao colapso. É uma retificação histórica”, acrescentou Maduro.
Em declaração à imprensa, a presidenta do Brasil reeleita, Dilma Rousseff, afirmou que jamais imaginou viver esse momento histórico. “Nós, lutadores sociais, nunca imaginávamos, jamais imaginamos viver esse momento histórico. Quero cumprimentar o presidente Raúl Castro, o presidente Barack Obama e também o Papa Francisco”, disse a mandatária.
Entenda o conflito histórico
O embargo econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos Estados Unidos se iniciou em 07 de fevereiro de 1962, sendo convertido em lei em 1992 e 1995, além de ampliado em 1999 pelo então presidente estadunidense, Bill Clinton, proibindo as filiais estrangeiras de companhias estadunidenses de comercializarem com Cuba. A medida, em vigor por quase 53 anos, funcionou como um dos mais duradouros bloqueios econômicos na história contemporânea. O embargo estava formalmente condenado pelas Nações Unidas, que, nos últimos anos, aumentou a pressão mundial pelo fim do bloqueio.
O processo de rompimento entre os países foi marcado, inicialmente, em maio de 1958, quando os EUA suspenderam a ajuda militar oficial ao governo do então mandatário cubano, Fulgêncio Batista, em um episódio que ficou conhecido com o “embargo militar a Cuba”. Na época, a guerrilha entre as forças do ditador e os revolucionários de Fidel Castro já havia começado.
Em julho de 1960, em resposta às nacionalizações, foi reduzida a quota de importação de açúcar cubano pelos EUA, que passou a ser comprado pela antiga União Soviética. Em resposta a esse alinhamento de Cuba com os soviéticos em plena Guerra Fria, o presidente John F. Kennedy ampliou as restrições comerciais em 07 de fevereiro e novamente em 23 de março de 1962.
Fonte: Adital/ Amai-vos