“Sem bons políticos, caminho fica aberto para os medíocres”
Milhões de brasileiros saíram às ruas no domingo em protesto contra os escândalos de corrupção que têm corroído as instâncias de poder no país.
A Rádio Vaticano pediu ao Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, que também é Vice-presidente da CNBB, uma análise dos fatos.
O arcebispo fala da ausência de políticos com “grandeza de estadistas”, faz uma observação crítica sobre a formação pela Igreja de leigos “que levem as dimensões da fé para a sua atuação política” e cita o Papa Francisco ao diferenciar pecado de corrupção.
Dom Murilo: Penso que ficou muito claro que não são e não foram manifestações ideológicas porque também políticos da oposição foram vaiados, não foram aceitos como participantes das manifestações. Na verdade, essas manifestações, de norte a sul, manifestaram uma indignação do povo com a situação em que chegamos. Porque, de um lado, estão os políticos pensando apenas em si e não no projeto em favor do Brasil e de seu povo, e de outro, a própria corrupção, e as consequências estão aí.
RV: Acredita que o término do atual governo seja a solução para a crise?
Não necessariamente. Porque também as perspectivas que temos pós este governo também não são das mais otimistas. Eu penso que seria a hora de os nossos políticos pararem, se sentar e dizer: vamos esquecer que somos cada um de um partido diferente, mas há uma realidade que é maior do que nós: buscar o que é melhor para o Brasil. Mas isso exigiria uma grandeza de estadista que, infelizmente, grande parte de nossos políticos não tem, e isso é mau. Porque, ontem, os próprios partidos políticos foram rechaçados. Ora, não existe democracia sem partido político, aí começa a ter aquele medo da força militar, ou pior, violência para tentar, pela violência, conseguir alguma mudança. Então, isso é muito triste que os próprios partidos tenham perdido a sua pouca credibilidade.
RV: Os bispos do Brasil se reunirão em Assembleia Geral no mês que vem. Novos contextos para serem analisados?
Dom Murilo: Sim, e aí não serão mais os 40 bispos do nosso Conselho, e sim 300 bispos a manifestar a sua posição. Tenho certeza que desta contribuição de cada um, porque na verdade, a grande riqueza de uma Assembleia como a nossa, com visões tão diferenciadas, faz com que as nossas notas sejam muito equilibradas. Para mim, sempre, participar da elaboração de uma nota, de um documento na CNBB, é participar de uma verdadeira ação do Espírito Santo, onde não se manifesta o desejo de um ou de outro, mas aquilo que realmente é a síntese do pensamento do episcopado brasileiro. Provavelmente também deverá sair uma nota, uma manifestação, sobre o momento do Brasil. Nós queremos ao menos dizer: acreditamos que para obtermos o que queremos o caminho deverá ser este.
RV: Neste momento de crise, também a CNBB olha para dentro de si para promover alguma mudança? Qual o senhor acredita que seja uma mudança necessária.?
Dom Murilo: Em primeiro lugar, teremos um documento que está sendo preparado para ser aprovado sobre os leigos. Qual o seu papel dentro da Igreja e fora da Igreja. Eu penso que muita coisa que está acontecendo é porque nós não temos leigos devidamente preparados e conscientes de sua missão de ser a presença da Igreja no mundo. Por isso, que volta e meia, nasce a tentação de algum padre de querer se candidatar para ajudar a melhorar o Brasil: não é função do padre. Para isso, devemos formar leigos que levem as dimensões da fé para a sua atuação política. Não queremos formar um grupo de parlamentares católicos para defender interesses da Igreja Católica, isso não existe, nunca quisemos isso, e não queremos. Queremos sim que o leigo que optar pela política porque sente vocação para isto, assuma decididamente o seu papel, e lute por um país justo, fraterno, solidário. Nós sabemos que se bons políticos não ocuparem o espaço da política, abre-se um caminho imenso, aberto, para os medíocres que se interessam em ocupar este espaço. Estamos vendo aí o resultado disso. Portanto, diferentemente de outras igrejas, a Igreja Católica não lança candidatos e nem diz ao povo: é preciso votar no a, no b ou no c. Não. Nós queremos que o nosso católico também olhe com consciência na hora de votar e escolha aqueles que ele julga que sejam capazes de realmente representá-lo, e representá-lo bem.
RV: Principalmente num contexto em que a cultura política foi sempre marcada pela corrupção em nosso país, infelizmente…
Dom Murilo: Este é o grande desafio. Aquilo que o Papa fala da diferença entre o pecado e a corrupção: pecado são atos, a corrupção é um estado, uma mentalidade que pervade a sociedade. E é em função desta mentalidade que quem detém o poder acaba pensando: eu tenho direito de me aproveitar porque eu estou no poder. E a gente está vendo no Brasil todos os dias novas notícias de desvio de dinheiro, e não se fala mais em milhões de reais, mas de dezenas, centenas de milhões de reais. O povo vê isso, de um lado falta saúde adequada, não tem escola, o transporte é precário. Claro que o povo se levanta e vai para as ruas. Graças a Deus foi para a rua de uma forma pacífica, mas a gente sabe que nesta hora, se pessoas inescrupulosas conseguirem pegar essa insatisfação e canalizar em função de seus objetivos nada dignos, é um perigo para o país, são momentos assim de crise, mas de uma crise que pode levar para uma opção pelo bem, mas que pode levar também para uma opção pelo mal.
(rb)
Fonte: Rádio Vaticano