Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna
Liturgia da Missa – Reflexões para a Mesa da Palavra
21º Domingo do Tempo Comum- Ano B
Muitos dos discípulos de Jesus, que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo. E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?” Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. Jo 6, 60-69
Amigo de Nasrudin deu-lhe de presente um pato. Final de semana e resolve cozinhar deliciosa sopa. O bicho ainda no fogo e o cheiro já atraíra o vizinho. Ele deixa passar algum tempo, até que fique pronto o prato e bate à porta do Mulá. “Nasrudin, meu olfato reparou que há na sua casa sopa de pato. Como bom vizinho vim saboreá-la com você”. Sentou-se à mesa e encantou-se com o manjar. Na volta para casa encontra um primo. Diz-lhe da comida gostosa apontando na direção do lar de Nasrudin. Lá vai então o primo. “Senhor, sou primo do seu vizinho e vim provar da sopa do pato”. Senta-se à mesa e come. Bem satisfeito conta para a esposa e ela parte com os filhos para a casa do nosso amigo. “Sou a esposa do primo do seu vizinho e vim então, com meus filhos, comer da sopa do pato”. Nasrudin, é claro, a cada vez que chegava gente, derramava na vasilha mais água. Voltando, a esposa e filharada dá de encontro com sua irmã, com quem partilha a existência do ensopado. El á está ela também à porta do sábio. Sou a irmã da esposa do primo do seu vizinho e quero provar da sua hospitalidade. Vim comer da sopa do pato”. Servida faz uma careta à primeira colherada. “Mas, Mulá, é água!” “Claro que não é. Isto é a sopa, da sopa, da sopa, da sopa do pato.”
Chegamos ao final desse sexto capítulo do Evangelho de João, contemplado por nós nessas últimas semanas. Vendo-o como uma música, iremos reparar que seus acordes foram crescendo e tomando nossos ouvidos. Começou lenta e delicada e termina agora num vibrante momento de toda a orquestra.
Assustado com o que ouvem nesse final, os discípulos se escandalizam. De vez em quando, como aconteceu na narrativa joanina, é importante que o Evangelho nos incomode. Vamos ficando acostumados às palavras, tantas vezes lidas, e aquilo que é fortíssimo pode passar, levemente, em brancas nuvens. É como na historinha de Nasrudin na qual a sopa vai ficando mais rala, ou na música do nosso cancioneiro a apregoar “água no feijão que chegou mais um”.
Escrito depois da Páscoa, João trata de eventos acontecidos antes dela. Por isto este alerta aos seguidores de Jesus. Passada já a ressurreição os leitores da sua comunidade, a quem se dirigiam primeiramente essas palavras, eram obviamente conhecedores de todo o acontecido.
Também nós sabemos de tudo e mesmo assim é preciso que sintamos quão fortes são essas palavras do nosso Senhor. É necessário também que acreditemos na ressurreição. E não nos esqueçamos de que para aqueles que não têm fé, crer em alguém morto que torna à vida é algo escandaloso.
Jesus reforça mais uma vez que a fé é dom de Deus. Ninguém poderá se aproximar dele se antes não tiver havido esta concessão do Pai. Seria bem mais fácil e simples se o Evangelho não fosse tão exigente, tão duro. Haveria mais gente conosco a seguir Jesus.
Há tempos no qual os cristãos são mais exigidos e provados – podendo chegar ao martírio – e outros que podemos chamar de pouca pressão. Vivemos agora, aqui no Ocidente Cristão, este segundo tempo. Ninguém nos dificulta o seguimento de Jesus. Podemos ir à missa, de nienhuma autoridade precisamos ocultar nossa fé. Essa falta de tensão pode levar-nos à vida posicionada numa zona de conforto.
Ao refletir sobre isto é importante lembrar que em vários lugares da terra, muitos cristãos vivem esse período de alta tensão. São para eles tempos mesmo de martírio. .
Costumo dizer que a zona de conforto do cristão são os mandamentos da Igreja. É o mínimo do mínimo para que se possa ser considerado católico. Tratar-se-ia muito mais do alpendre da fé. Cumprindo só o que se pede nem teremos entrado verdadeiramente na casa do seguimento. Estaremos bebendo da sopa, da sopa, da sopa do pato.
Jesus repara a debandada de vários. Entristece-se com certeza e busca checar se aqueles que ficaram, permanecem mesmo por convicção profunda de fé, ou porque é bom se estar com os amigos, ser aceito pelo grupo, ter uma identidade comum.
Ele deixa que ecoe nos seus ouvidos a radicalidade daquilo que está lhes apresentando para ao final fazer a pergunta: “Vocês também não querem ir embora?”
Essa pergunta é também nossa. De vez em quando é preciso que paremos à frente dela e a respondamos com imensa sinceridade.
São aquelas horas nas quais o apostolado não gera resultados aparentes. Os trabalhos pastorais são feitos com gente incompreensível, ou que não se compromete. Tem-se que lidar com chatos e fofoqueiros. Pessoas que, além de não ajudar, são mestres em espalhar a discórdia. Hora dura na qual é constatada a falta de autonomia dos leigos em trabalharem efetivamente pelo Reino…
Nesses momentos é preciso fazer, como Pedro, a profissão de fé. Recontratar com o Senhor o compromisso de permanecer com Ele na missão. E não fazer como tantos que se dispersam na ilusão de que encontrarão palavras de vida eterna naquilo que não vêm de Deus e por isto perece.
Pistas para reflexão durante a semana:
– Vemos no Evangelho a radicalidade que os discípulos encontraram?
– Como está o meu seguimento? Ele me gera tensão, ou vivo na zona de conforto?
– Como Pedro também afirmo: Fico porque só tu tens palavras de vida eterna?