Ser luz, sabor e sinal para o irmão
Liturgia da Missa – Reflexão sobre a Mesa da Palavra para o domingo 09-02-2014
Ano A V do Tempo Comum
Havia naquela cidade um homem que vivia em meio aos livros. Como as prateleiras não cabiam mais nada, os livros passaram a ser empilhados pelos corredores e sobre as mesas. Na sua casa já não tinha mais espaço para se caminhar. A prefeitura tinha receios de que ela caísse por falta de manutenção e excesso de peso. As janelas há muito não eram abertas porque atrás delas montanhas de livros estavam guardadas. Apesar de haver naquelas obras tanto conhecimento acumulado, não existia sabor naquela residência. Ela era escura e triste. Seu dono sabia muito, mas só para si. Sabem como foi aquele dia no qual ele se tornou sábio? Isto se deu no momento em que resolveu partilhar com toda a vizinhança e quem mais chegasse tudo que tinha. A casa então se abriu. Ficou iluminada, recebeu vida e aquele homem passou a ajudar as pessoas a resolverem seus problemas e dificuldades. Ganhou um grande sorriso de felicidade e todos então passaram a chamá-lo de mestre.
O Papa Francisco alerta, na sua Exortação Apostólica Alegria do Evangelho aos sacerdotes para que utilizem mais as imagens nas suas pregações. Com isto estarão fazendo com que os fieis as entendam mais. Falar através de imagens não é nenhuma novidade. Jesus usa esta linguagem todo o tempo na sua pregação.
Neste domingo Ele nos fala do sal e da luz. Duas imagens fortes e bem significativas essas que nos apresenta Jesus, através do evangelista Mateus. O sal a dar sabor à comida das gentes e a luz a possibilitar o saber das pessoas. Saber e sabor, palavras derivadas de uma mesma raiz, necessitam ser postas mais próximas uma da outra no seguimento do Senhor.
Apesar de simples essas imagens são bem profundas e ricas em significados. Não há cultura no mundo que seja incapaz de compreendê-las. O Evangelho nos vem falar de três símbolos: o sal, a luz e a imagem da cidade no alto do monte. Através deles seremos, ou não, reconhecidos como seguidores de Jesus. Eles fazem parte da “carteira de identidade” do cristão.
Há na imagem que fazemos do sal três atributos: a capacidade de conservar a comida, a pureza e o sabor que propicia aos alimentos. Ele mantém, purifica e dá sabor. Somos povo moderno. Possuímos em casa as geladeiras e isto faz com que o primeiro atributo do sal, ser conservante, perca um pouco a força.
Através de milhares de gerações e ainda hoje nos lugares mais ermos e pobres do mundo, sempre que se sacrifica um animal para comer, toda a carne que não será comida imediatamente será salgada para não se perder.
Seu segundo atributo é a pureza. Reparem que sempre que imaginamos o sal, ou mesmo quando o vemos ensacado ou posto numa vasilha em nossas cozinhas, impressiona-nos a sua brancura. Ninguém irá adquirir sal contaminado, sujo, ou manchado. Sal tem que ser totalmente limpo e puro.
Dar sabor aos alimentos é o último dos seus atributos. Pessoas obrigadas a realizar, por motivo de doença, dietas com restrição ao sal não se cansam de reclamar da qualidade da alimentação. Comida sem sal é insossa, torna-se difícil até de engolir. Diz-se o mesmo de pessoas muito paradas, ou que aparentam não ter entusiasmo com a vida.
“Gente sem sal” diziam os mais antigos. E aí vemos que no sabor está também a intensidade e a qualidade da vida que levamos. Interessante observarmos que os verbos sabor e saber têm a mesma fonte. Os dois vêm do latim “sabere”. Na nossa língua um dos sentidos do verbo saber é igual ao do sabor. Dizer que uma “comida soube bem”, por mais que possa nos parecer estranho, está correto.
Saber está ligado visceralmente ao sabor. Podemos dizer então que saber é experimentar a novidade do conhecimento sentindo prazer naquilo que vivencia. Sábio é aquele que experimenta o saber dando pleno sabor a ele. Há muita gente que tem muito conhecimento, mas não sabe nada.
O saber nem sempre está ligado ao conceito de academia. Acumular conhecimento e não fazer dele algo de útil e proveitoso para a sociedade a qual se pertence não dá sabor nem gera sabedoria. O sabor se dá não em guardar o que se sabe, mas em experimentar a sua partilha. Todos conhecemos sábios analfabetos e ignorantes com muito estudo.
Jesus fala-nos também de luz. Ela foi feita para iluminar e não para ficar escondida. Usando a luz exterior como modelo, nosso Senhor quer nos falar muito mais da luz interior que temos. Cada um de nós deve ser luz para o outro, iluminando e dando sentido ao seu caminho. Há algum tempo recebi uma foto de satélite que mostra o mundo à noite. Impressiona a quantidade de luz existente em alguns lugares.
Enquanto há imensidões escuras há áreas grandes iluminadas. Visto do alto dá para ver como as cidades em muitos lugares foram se juntando. Não era assim na experiência pessoal de Jesus. A luz era bem pouca o que gerava sobre o povo dois efeitos: a valorização da chegada do dia já que viver no escuro era e continua sendo muito perigoso e enfatizar Jerusalém como a cidade iluminada pela luz do Senhor no Templo, o que já faz parte do terceiro símbolo da mensagem do Evangelho de hoje.
Antigamente as cidades construídas no alto possuíam mais vantagens que aquelas que se desenvolveram nos vales. A montanha era um fator de segurança muito forte naquele tempo. A missão dos exércitos da época quando tinham que atacar uma cidade no alto do monte era inglória. Além da visão privilegiada de todo o seu entorno, as armas defensivas mostravam-se muito mais eficazes do que aquelas trazidas pelos seus atacantes. Jesus com certeza também que não quer falar somente da Cidade Santa. Na sua metáfora quer nos convidar a nos avaliarmos como pessoas de luz, firmes para construir o bem e defendidas contra os ataques do mal.
Para refletir durante a semana:
– Dou sabor à vida dos que me rodeiam?
– Que tipo de luz eu sou? Como vitrinas que brilham muito e têm pouco conteúdo? Ou meu brilho ilumina caminhos?
– Onde construo minha vida? Sobre um monte firme ou em vales escondidos?
1ª Leitura – Is 58,7-10
Assim diz o Senhor: Reparte o pão com o faminto, acolhe em casa os pobres e peregrinos. Quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne. Então, brilhará tua luz como a aurora e tua saúde há de recuperar-se mais depressa; à frente caminhará tua justiça e a glória do Senhor te seguirá.
Então invocarás o Senhor e ele te atenderá, pedirás socorro, e ele dirá: ‘Eis-me aqui’. Se destruíres teus instrumentos de opressão, e deixares os hábitos autoritários e a linguagem maldosa; se acolheres de coração aberto o indigente e prestares todo o socorro ao necessitado, nascerá nas trevas a tua luz e tua vida obscura será como o meio-dia.
2ª Leitura – 1Cor 2,1-5
Irmãos, quando fui à vossa cidade anunciar-vos o mistério de Deus, não recorri a uma linguagem elevada ou ao prestígio da sabedoria humana. Pois, entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. Aliás, eu estive junto de vós, com fraqueza e receio, e muito tremor. Também a minha palavra e a minha pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria,
mas eram uma demonstração do poder do Espírito, para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus e não na sabedoria dos homens.
Evangelho – Mt 5,13-16
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos? Ele não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um monte. Ninguém acende uma lâmpada, e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim, num candeeiro, onde brilha para todos que estão na casa. Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus.
Fernando Dias Cyrino
www.fernandocyrino.com