Série sobre os 50 anos Vaticano II
Ao longo do mês de outubro estamos publicando vários textos sobre o Concílio Vaticano II para que você possa experimentar a importância deste Concílio no aprofundamento da nossa fé.
Hoje apresentamos um texto da Revista Vida pastoral e do Dom Angélico Sândalo Bernardino.
Esperamos que você acompanhe a série e envie o seu comentário, através do formulário no final de cada texto, informando se o conteúdo publicado durante o mês de outubro está ajudando na sua caminhada no segmento de Jesus.
Boa reflexão!!!
Entre 2012 e 2015, estamos celebrando o cinquentenário de abertura (1962) e conclusão (1965) do Vaticano II. Como nos motiva dom Angélico em seu artigo, é preciso abraçar fortemente as grandes intenções do concílio e aplicá-las à realidade de hoje. Não se trata de, nos 50 anos do concílio, voltar ao passado, mas caminhar para a frente com o auxílio da bússola que esse grande evento eclesial nos deu.
Em um mundo que progride, muda e evolui rapidamente, não podemos como instituição involuir, deixar de lado a primavera que foi o concílio e preferir o “inverno”. Voltar a antigos costumes e liturgias, antigas práticas, vestes, autoritarismos, estrelismos, arrogância, moral que não dialoga com o mundo de hoje, maneira de formar comunidades ultrapassada… refugiar-nos na “sacristia”, enquanto o mundo gira e nos desafia .
Pe. Jakson Ferreira de Alencar, ssp – Editor da Revista Vida Pastoral
Concílio da Primavera da Igreja!
No dia 11 de outubro de 1962, o papa João XXIII inaugurou o Concílio Vaticano II, encerrado pelo papa Paulo VI em 8 de dezembro de 1965. Estamos vivendo, de
2012 a 2015, as comemorações do cinquentenário desse evento, que se tornou o maior acontecimento da Igreja no século passado.
João XXIII fez o anúncio profético desse concílio na festa da Conversão de são Paulo, em 25 de janeiro de 1959, quando encerrava a Semana de Orações pela Unidade dos Cristãos. O concílio, dizia João XXIII, deve apresentar às pessoas do nosso tempo, íntegra e pura, a verdade de Deus, de tal forma que elas possam compreendê-la e abraçá-la espontaneamente. Deve provocar reformas e abertura da Igreja à realidade histórica. Ele antevia, através do concílio, nova primavera para a Igreja, aberta ao diálogo com todos. Paulo VI, na mesma direção, defendeu um concílio renovador da Igreja, os braços abertos, acolhendo a todos com misericórdia, compaixão, à maneira de Jesus!
O anúncio do concílio, é bom lembrar, foi feito em tempo marcado, na Igreja, por intensa participação, de modo especial no Movimento Litúrgico, na Ação Católica, no Movimento Bíblico-Teológico.
1. Novos tempos
Na comemoração do jubileu de ouro do concílio, não se trata, simplesmente, de olhar para trás. Estamos em nova época. Nestes 50 anos, os ensinamentos do concílio foram sendo concretizados com avanços e retrocessos. Desde o começo, hoje nem se diga, as pessoas preferiam o inverno à primavera.
Precisamos abraçar as grandes intenções e ensinamentos do concílio e concretizá-los nos novos parâmetros culturais em que estamos imersos, em verdadeira conversão pastoral, na mudança de certas estruturas eclesiásticas boas no passado e ultrapassadas hoje. Essa imensa tarefa a ser levada avante no vigor do Espírito Santo deve envolver todo o Povo de Deus, não podendo ficar somente a cargo de alguns setores da estrutura eclesiástica. Trata-se de lançar as redes, de fato, em águas mais profundas. João Paulo II afirmou: “Sinto, ainda mais intensamente, o dever de indicar o concílio como a grande graça que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa” (Novo Millennio Ineunte, n. 57).
2. De olho na bússola
Abraçando a recomendação de João Paulo II, perguntemo-nos: para onde aponta a bússola a nos orientar no avanço evangelizador agora? A preocupação marcante do Vaticano II foi nos indicar caminhos para evangelizar o mundo de hoje. Como anunciar o evangelho na nova época? O concílio responde com duas palavras-chave: aggiornamento, sinônimo de renovação, atualização, rejuvenescimento da Igreja; diálogo consigo mesma, com outras Igrejas cristãs, com não cristãos, não crentes.
Diálogo sinônimo de comunhão, corresponsabilidade, intensa participação. O pe. José Comblin gostava de indicar sete palavraschave, bebidas nas fontes conciliares, como urgências a serem postas em prática. São as seguintes: preocupação pela pessoa humana, liberdade, Povo de Deus, Colégio episcopal, diálogo, serviço, missão. Bento XVI convocou, para os dias 7 a 28 de outubro de 2012, Sínodo sobre a “Nova evangelização para a transmissão da fé cristã”. Colhendo os clamores do Povo de Deus, o sínodo, para ser eficaz, precisa abraçar as indicações, as palavras-chave do concílio, e apontar concretamente as novas e urgentes reformas, para que discípulos(as) missionários(as) de Jesus, com o coração repleto de ardor e santidade, possam levar avante a nova evangelização com novos métodos, novas manifestações.
3. Igreja, Povo de Deus!
O Vaticano II foi um concílio pastoral-eclesiológico! Ele nos oferece duas constituições sobre a Igreja. A primeira é dogmática e se denomina Lumen Gentium (Luz dos Povos), que nos apresenta ensinamentos sobre o que a Igreja é e sua missão. A segunda é pastoral e se chama Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), que nos fala a respeito da Igreja no mundo de hoje. “O essencial do Mistério da Igreja é que seja uma comunhão com o Pai por Jesus Cristo, no Espírito Santo, e que viva em comunhão fraterna. A Igreja é instrumento da salvação, da graça, que brotam do coração de Jesus morto e ressuscitado, para a vida de todos”.
O concílio nos apresenta a Igreja como Povo de Deus! Essa atitude é muito importante e renovadora, pois evita restringir a missão profética, real e sacerdotal da Igreja somente aos ministros ordenados. Na Igreja, há profunda igualdade entre todos na dignidade de filhos(as) de Deus, na vocação à santidade, na missão; o que nos diferencia são as vocações, serviços, ministérios, carismas, dons. Todos somos Povo de Deus, discípulos missionários de Jesus, com a missão de evangelizar. “Por instituição divina”, diz o concílio, “a Igreja é estruturada e regida com admirável variedade” (LG 32). E cita palavras do apóstolo Paulo: “Pois como em um só corpo temos muitos membros, mas todos os membros não têm a mesma função, assim nós, embora sejamos muitos, somos um só corpo em Cristo, e somos membros uns dos outros” (Rm 12,4-5). Bispos e padres, fazendo parte do Povo de Deus, são os “que, postos no sagrado ministério, ensinando, santificando e regendo, pela autoridade de Cristo, apascentam a Família de Deus de tal modo que seja cumprido por todos o mandato novo da caridade” (LG 81).
Esta Igreja, Povo de Deus, proclama: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS 1).
4. A Palavra de Deus
O Concílio Vaticano II, apontando para a atualização, a renovação, o rejuvenescimento da Igreja, alimentou-se da palavra de Deus. Iluminado pelo Espírito Santo, elaborou a constituição dogmática Dei Verbum. “Deus invisível, na riqueza de seu amor, fala aos homens como a amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com ele”.
O papa Bento XVI, na exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini, recorda-nos que Deus nos fala, comunica-se com a humanidade, por meio de sua Palavra, seu Filho, o Verbo de Deus que se fez carne, Jesus Cristo, nascido da virgem Maria! Em Jesus, Palavra de Deus, o Pai falou e revelou tudo. Ainda, em seu amor, Deus nos fala por meio da criação, “o livro da natureza”. Fala-nos na história da salvação. Enfim, é palavra de Deus, atestada e divinamente inspirada, a Sagrada Escritura, Antigo e Novo Testamento. Somos convidados a acolher a palavra de Deus. Ao Deus que se revela, que fala conosco, devemos dar a resposta da fé, sempre com Vida Pastoral – janeiro-fevereiro 2012 – ano 53 – n. 282 5 os olhos fixos em Jesus, a Palavra suprema, definitiva. Como diz a Conferência de Aparecida: “Conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça e transmitir este tesouro aos outros é uma tarefa que o Senhor nos confiou ao nos chamar e ao nos acolher” (DAp 18).
5. Liturgia e vida
A liturgia é contemplada, de maneira especial, pelo Concílio Vaticano II na constituição denominada “Sacrossanto Concílio”. Encontramos nessa constituição os princípios gerais da reforma e do incremento da liturgia, assim como considerações profundas sobre a eucaristia e os demais sacramentos. Ainda, ensinamentos sobre o ofício divino, o ano litúrgico, música e arte sacra. A vida cristã tem seu centro vital na eucaristia. A celebração eucarística no domingo, dia do Senhor, deve ser sempre mais valorizada. A liturgia é a família de Deus em festa. É a celebração do mistério de Cristo e, em particular, de seu mistério pascal, que é o centro da obra da salvação.
A Igreja, Povo de Deus, que proclama e celebra sua fé, sua vida, é comunidade de culto e santificação. Na linha do concílio, a Conferência de Aparecida proclama: A eucaristia é o centro vital do universo, capaz de saciar a fome de vida e felicidade. Neste banquete feliz, participamos da vida eterna e, assim, nossa existência cotidiana se converte em missa prolongada. Porém, todos os dons de Deus requerem disposição adequada para que possam produzir frutos de mudança. Especialmente, exigem de nós espírito comunitário, que abramos os olhos para reconhecê-lo e servi-lo nos mais pobres. No mais humilde, encontramos o próprio Jesus. Por isso, são João Crisóstomo exortava: “Querem em verdade honrar o corpo de Cristo? Não consintam que esteja nu. Não o honrem no templo com mantos de seda, enquanto fora o deixam passar frio e nudez” (DAp 354).
Liturgia e vida! Nossa atenção deve, essencialmente, estar voltada para o mistério que celebramos. Por meio dos ritos, contemplemos, na fé, o mistério do amor de Deus por nós. Tenhamos sempre presente a advertência de Jesus, citando o profeta Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mt 15,8). Nas celebrações, haja sempre muito respeito, dignidade, solenidade. Respeito às rubricas, mas nada de “rubricismo”! Nada de espetáculos, roupas repletas de rendas femininas em vestes de ministros.
Dom Angélico Sândalo Bernardino
Bispo emérito de Blumenau