Sucumbíos: disputa entre dois modelos de Igreja.
Entrevista especial com Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus
Os Arautos do Evangelho “iniciaram uma campanha que ainda não terminou, campanha que desejou mostrar a Igreja Comunidade, de Sucumbíos, como um pequeno grupo, tentando rotulá-la como seita”, dizem os membros da Igreja de São Miguel de Sucumbíos – ISAMIS, do Equador.
Sucumbíos [1], uma das províncias mais pobres do Equador, é conhecida pela ampla extração de petróleo, cerca de duzentos mil barris diários, que contribuem com 50% do PIB do país. No entanto, quase metade da população da região “continua trabalhando no campo. A grande maioria depende de uma economia de subsistência”, e a desnutrição afeta 40% da população, dizem Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus à IHU On-Line.
Além das dificuldades econômicas e sociais, Sucumbíos enfrenta um conflito “entre dois modelos de igreja, marcado especialmente pela violência com que se desejou arrasar o modelo de Igreja Comunidade”, dizem os membros da Igreja de São Miguel de Sucumbíos – ISAMIS, na entrevista a seguir concedida por e-mail. A ISAMIS surgiu inspirada na proposta do Concílio Vaticano II, e durante 40 anos foi assumida pela Ordem dos Padres Carmelitas Descalços [2]. “Os padres e a Missão Carmelita preocupavam-se com nossos problemas familiares e comunitários. A Igreja não era formada somente por eles, sacerdotes e bispo; éramos todos, e assim nos faziam sentir. Formaram-nos, ensinaram-nos uma fé tão profunda em Jesus, valorizando os dons recebidos por Ele, de maneira que essa fé lançou raízes tão profundas que ninguém nos pode arrancá-la”, relatam os moradores da cidade de Nueva Loja, na província de Sucumbíos. De acordo com eles, “a chegada dos Arautos do Evangelho – AE [3] mudou tudo, trouxe a divisão nas famílias, nas comunidades, nos colégios, nos trabalhos, nos governos locais”.
Na avaliação de Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus, os conflitos de Sucumbíos são um reflexo das tentativas de “deixar para trás muitos dos conceitos e das práticas e, em geral, o espírito que o Concílio Vaticano II e as Conferências Episcopais Latino-Americanas quiseram introduzir”. Na entrevista a seguir, eles esclarecem as origens dos conflitos e mencionam as tentativas de resolvê-lo, desde 2010.
Ruth Elvira Sánchez Rosso foi missionária leiga da ISAMIS durante 17 anos. Hoje atua na paróquia Divino Niño, em Lago Agrio, Sucumbíos, onde realiza um trabalho de combate à violência de mulheres.
Silvio Cumbicus é líder de organizações populares e atua nas Comunidades Eclesiais de Base – CEBs na paróquia Cristo Resucitado, também em Lago Agrio. É coordenador da Pastoral Social da ISAMIS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a situação política, econômica e social de Sucumbíos, e como a Igreja dialoga com a realidade da comunidade?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Em 85% de Sucumbíos há petróleo. Nessa província funcionam trezentos poços que extraem aproximadamente duzentos mil barris diários. As receitas que são geradas constituem mais de 50% do produto interno bruto do Equador. No entanto, apesar da grande importância do petróleo, quase a metade da população continua trabalhando no campo. A grande maioria depende de uma economia de subsistência. Não existe desenvolvimento industrial na região.
Sucumbíos é uma das províncias mais pobres do Equador. A desnutrição chega até 40%, enquanto a mortalidade de crianças menores de um ano ultrapassa 50%. Em toda a província há somente um hospital com 15 leitos para internação de pacientes e seis médicos para cada dez mil habitantes. Cerca de 70% das famílias tem renda que não cobre o valor de uma cesta básica. A todos esses problemas somam-se os provocados pelo narcotráfico e a violência do departamento colombiano vizinho de Putumayo. Nesse mesmo lugar, há uma forte presença de grupos armados pertencentes às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Farc.
Direitos humanos
A questão dos direitos humanos também sempre foi controversa em Sucumbíos: sua conformação de migrantes, a vizinhança com a Colômbia (distante 23 km), uma sociedade em estruturação, e os abusos por parte da polícia e das forças armadas. A Igreja de São Miguel de Sucumbíos – ISAMIS, a partir de 1987, promoveu o Comitê de Direitos Humanos, que logo se converteu na Oficina de Direitos Humanos. Um caso emblemático foi a defesa dos Onze de Putumayo (1993-1996). Também nesse campo, desde 1995 existe um trabalho com meninas e meninos do Lar Infantil em coordenação com órgãos do Estado para reivindicar direitos de proteção. Essa iniciativa foi entregue ao Estado na administração do Delegado Pontifício.
Igreja
A Igreja local fez uma opção de apoio aos refugiados desde o início do Plano Colômbia (2000), responsabilizando-se pela construção e modernização de albergues e acompanhamento para aqueles que chegam. O trabalho foi coordenado com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR, e deu lugar à criação da Pastoral da Mobilidade Humana como um dos serviços da pastoral social. Há vinte anos, por iniciativa do Monsenhor Gonzalo López Marañon, desenvolveu-se a chamada Pastoral de Fronteiras, que permitiu coordenar o trabalho das igrejas presentes no cordão fronteiriço colombo-equatoriano com trabalhos conjuntos, sobre questões como a saúde prisional, as etnias, os direitos humanos e, na última década, a proteção de refugiados ou deslocados pelo conflito.
IHU On-Line – Quais as razões dos conflitos que envolvem a Igreja de Sucumbíos?
Ruth Elvira Sánchez Rosso, Silvio Cumbicus – O conflito de Sucumbíos, no norte do Equador, não é entre Arautos e Carmelitas, como se quis apresentar desde o início. É um conflito entre dois modelos de igreja, marcado especialmente pela violência com que se desejou arrasar o modelo de Igreja como comunidade, e porque o contexto geopolítico e social reúne fatores muito complexos, que serão mencionados adiante.
IHU On-Line – Como foi a atuação dos Padres Carmelitas Descalços em Sucumbíos ao longo das últimas quatro décadas?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – A ação, formação e propósito dos Padres Carmelitas, melhor dizendo, da Missão Carmelita, com as pessoas que, com eles, trabalharam como missionários, foi construir uma igreja de comunidades, com os camponeses e indígenas que iam chegando para colonizar a província, no princípio dos anos 1970 e 1980, buscando melhores condições de vida, trabalho e terra que lhes ofereciam o Estado e as empresas de petróleo. Incentivavam a criação de comunidades, seu monitoramento, seu fortalecimento e sua continuidade com a prática da leitura popular da Bíblia, buscando as luzes que ela dava para melhorar nossas relações e nossa realidade de maneira comunitária e solidária. As pré-cooperativas acompanhavam-nos e estavam presentes em todos os lugares aonde íamos, fazendo os assentamentos da colonização que se iniciava. Com a força que nos dava a oração pessoal e comunitária, a Palavra lida em comunidade, com ajuda e apoio da Missão Carmelita e a solidariedade coletiva, fomos descobrindo o Deus da Vida em nós e na comunidade, e, em seguida, na organização popular, buscando e encontrando soluções para melhorar nossa vida, a organização, nossos relacionamentos e ir atendendo às múltiplas necessidades e nossa nova vida de famílias, comunidades, organizações populares e sociedade civil.
Os Padres Carmelitas eram sempre muito humildes, davam confiança, aceitavam comer o que havia em nossas casas e dormir como fazemos, com muita simplicidade e humildade. Davam liberdade para falar de tudo com eles, respeitando nossas maneiras, valorizando as mulheres e o trabalho que fazíamos. Falavam e praticavam a igualdade, como, por exemplo, trabalhando nas mingas comunitárias, servindo, lavando pratos, fazendo tudo o que era necessário. Todos éramos iguais, e não havia uns mais importantes que outros; todos tínhamos direito de opinar, perguntar, participar e pensar de forma diferente.
Missão carmelita
Os padres e a Missão Carmelita preocupavam-se com nossos problemas familiares e comunitários. A Igreja não era formada somente por eles, sacerdotes e bispo; éramos todos, e assim nos faziam sentir. Formaram-nos, ensinaram-nos uma fé tão profunda em Jesus, valorizando os dons recebidos por Ele, de maneira que essa fé lançou raízes tão profundas que ninguém nos pode arrancá-la. Por isso, apesar de tantas dificuldades e tantas ofensas e calúnias, seguimos e seguiremos sendo fiéis no trabalho por esse Reino de Deus que está na Vida, na solidariedade e no compartilhamento entre os pobres e com os mais pobres. Demos vida à nossa utopia da ISAMIS: “Libertação integral do homem e da mulher a partir dos pobres pela causa do Reino”.
Daí surge a frase e a realidade da ISAMIS de “Caminhar com os dois pés”, de seguir a Palavra de Deus e a organização popular, com a Pastoral da Evangelização e a Pastoral Social, como um só corpo com dois pés, para avançar.
Nós encorajávamos a todos a nos apoiar e a ler a Palavra de Deus para fazer oração e buscar alternativas para nossa realidade, a partir do que dizia a Palavra, para ser, na prática, Igreja Comunidade Ministerial, Participativa, Missioneira de camponeses, indígenas, negros e, depois, urbanos. Eles incentivavam-nos e ajudavam-nos a termos coragem, a acreditar em nós mesmos, a defender nossos direitos.
IHU On-Line – O que mudou depois da chegada dos Arautos do Evangelho – EA em Sucumbíos, Equador?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – A chegada dos Arautos do Evangelho (ou AE) mudou tudo, trouxe a divisão nas famílias, nas comunidades, nos colégios, nos trabalhos, nos governos locais. A Virgem do Cisne, a Churonita, que sempre havíamos venerado, foi substituída pela Virgem de Fátima (a Virgem dos AE); rejeitaram-nos como Ministros e a nossa participação; rejeitaram a solidariedade e a prática da Pastoral de Compartilhar, que usávamos há vários anos; rejeitaram a participação das mulheres, seus conselhos e suas palavras no Sacramento da Confissão, fazendo as mulheres retornar às atitudes de submissão, à opressão e ao abuso machista que levamos anos tentando evidenciar e banir.
Os AE criaram o caos, pois diziam uma coisa e faziam outra. Quiseram arrasar tudo o que nos caracterizava como Igreja Comunidade. Seu argumento para a rejeição da solidariedade é que a atenção para com os empobrecidos é tarefa do Estado. Os AE apoiaram e aliaram-se com pessoas de poder econômico, e daí as pessoas com dinheiro surgiram, pela primeira vez, em nossa província, sem vergonha, como mais importantes. Os AE saíram em 19 de maio de 2011 de Sucumbíos, mas resta um grupo de pessoas que apoiam as suas práticas e seus objetivos.
Quando Roma ordenou a retirada de Monsenhor Gonzalo de maneira desrespeitosa e depreciativa, enviando os AE, fizemos, a partir do mesmo dia 29 de outubro de 2010, um pronunciamento da Igreja de São Miguel de Sucumbíos, o qual lemos na missa de despedida de Monsenhor Gonzalo López Marañon. A recusa em autorizar-nos a lê-lo na breve cerimônia que, de improviso, a pedido de Monsenhor Gonzalo, aceitaram fazer pública depois da transferência de poder no dia seguinte, causou o incidente que deu luz a essa injustiça, e intervenção em nosso vicariato, a qual ainda não terminou.
Apesar de tudo, simultaneamente acatamos a ordem de Roma, acolhendo bem ao Padre Ibarguren e aos 17 AE que chegaram com ele, informando-os, acompanhando-os, mostrando-lhes, dando tempo para que conhecessem, se interessassem e se aproximassem em um momento tão especial como o Advento e o Natal (2010). Convocou-se a primeira Assembleia Diocesana Extraordinária de Pastoral, em 20 de novembro de 2010, que contou, como sempre se havia feito, com delegados, representantes de todas as pastorais, serviços, equipes missioneiras.
Contradições
Sucumbíos tem duas visões e práticas de Igreja e de sociedade opostas, dificilmente compatíveis, refletidas em exemplos como os seguintes.
Razões sociais:
– Relações sociais de igualdade, proximidade e respeito versus relações sociais hierárquicas, distantes e de controle.
– Relações participativas e dialógicas versus relações de autoridade e imposição.
– Relações por amizade, vizinhança, necessidades e objetivo comuns versus relações por interesse econômico, de poder, surgimento de classes sociais.
– Prática em todos os espaços sociais e eclesiais de análise e decisões coletivas versus prioridade para interesses individuais.
Razões eclesiásticas:
– Sacramentos com exigência de prévia evangelização e prática comunitária ao longo de quarenta anos versus sacramentos fáceis e sem preparação, que atrai grupos de gente urbana, chegados em anos mais recentes, e que não têm prática comunitária.
– Plano Pastoral de Conjunto, em comunhão com o Plano Mundial da Igreja Equatoriana, planejado e desenvolvido com critérios comuns a partir da realidade e para repercutir processualmente nela versus ações sem planejamento e com maneiras próprias dos AE, sem relação e sem levar em conta nem respeitar os processos e os planos da Igreja local.
– Sacerdotes simples, carmelitas, incardinados, de outras congregações, acompanhado a partir de seu Ministério e com a força da Palavra de Deus e de processos comunitários para as comunidades e movimentos, caminhando com o povo e suas lutas versus sacerdotes individualistas e impositivos, cumprindo o lema de acabar com a participação de Ministérios, omitindo e evitando explicitamente sinais e rituais como o compartilhar na Eucaristia, com mais de oito anos de tradição e compromisso com resultados na ISAMIS.
– Participação e até mesmo tomada de decisões por leigos; grande acolhida, valorização e reconhecimento das mulheres versus exercício de poder patriarcal e eclesiástico, rejeição, discriminação e exclusão das mulheres.
– Solidariedade versus esmola.
IHU On-Line – Quais setores da sociedade apoiam cada um dos modelos de Igreja?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – A Igreja Comunidade, até 29 de outubro de 2010, era apoiada por todos, por ser aberta e inclusiva: Comunidades Eclesiais de Base – CEBs e Ministérios das diversas pastorais (urbana, negra, indígena e camponesa), movimentos, congregações, diversidade de carismas, leigos.
Por outro lado, os carismáticos com poder econômico, fanáticos religiosos dos carismáticos, um grupo urbano que busca sacramentos fáceis e sem compromissos e os politiqueiros corruptos, que acham que a gente de igreja nunca os apoiou, apoiam os AE.
IHU On-Line – Qual é a situação da Ordem dos Padres Carmelitas Descalços em Sucumbíos?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – A Ordem dos Padres Carmelitas da Província Colômbia-Equador segue disposta a regressar para a ISAMIS, mesmo que com outros sacerdotes, diferentes dos que se viram obrigados a sair pela “suposta razão” de ajudar a diminuir o conflito. No entanto, não podem fazê-lo até que Monsenhor Mietto dê sua aprovação, quando considerá-la oportuna.
Dos seis padres carmelitas de Sucumbíos – como os chamamos –, o Padre Jesús Arroyo, delegado provincial para o Equador, faleceu em 30 de junho de 2012. Os outros padres se encontram em lugares diferentes do Equador, e um está fora do país, fazendo com encorajamento e esperança seu trabalho missionário de evangelização.
IHU On-Line – Por que, depois do jubilamento do Monsenhor Gonzalo López Marañon, escolheu-se um bispo que não deu continuidade à proposta de uma Igreja Comunidade com compromisso social?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Esse pequeno e esquecido vicariato, talvez por seu isolamento geográfico e de comunicação de muitos anos e a abertura de sua gente à novidade, dada sua condição de migrantes, conseguiu manter-se e fazer valer seu processo de Igreja Comunidade de comunidades, Participativa, Missioneira, sempre em andamento, com planejamento de pastoral de conjunto e critérios comuns, sendo um humilde testemunho do espírito das primeiras comunidades e de paz e convivência social e eclesial por 40 anos.
A Igreja universal vem há anos em um processo de involução que busca deixar para trás muitos dos conceitos e das práticas e, em geral, o espírito que o Concílio Vaticano II e as Conferências Episcopais Latino-Americanas quiseram introduzir. As igrejas que levaram a sério o Concílio – e que promoveram a Igreja Comunidade Povo de Deus, as CEBs e o compromisso social, a participação laica, a leitura da Palavra de Deus, iluminando a realidade, a formação e a consciência crítica, a dignidade de todos, o protagonismo de jovens, mulheres e excluídos, uma forma inserida de vida religiosa, a opção pelos pobres – estão sendo sistematicamente transformadas e gradualmente destruídas.
O legado de João Paulo II
A partir de João Paulo II, começaram a censurar igrejas como a de Riobamba, no Equador, e a fazer mudanças de bispos que desmantelaram as CEBs, ignorando e desconsiderando o trabalho dos Ministérios e dos servidores leigos, como se fez no Brasil, no Peru, na Nicarágua e em El Salvador.
Um dos poucos lugares que mantém, na América, uma diocese ou um vicariato com essa maneira de ser Igreja, como Igreja Comunidade Povo de Deus, comunidade de comunidades, é Sucumbíos, que, pelas mudanças tecnológicas da comunicação, foi se tornando mais conhecida. Sua experiência irritava e irrita outras instâncias que questionam esse modelo.
O envio dos AE pretendia terminar definitivamente com esse modelo, com essa maneira de ser Igreja. Iniciaram uma campanha que ainda não terminou, campanha que desejou mostrar a Igreja Comunidade, de Sucumbíos, como um pequeno grupo, tentando rotulá-la como seita.
Por isso, parece contraditório celebrar, com tanta força, os cinquenta anos do início do Concílio Vaticano II, e, com tanta força, perseguir e intervir. Essa pequena Igreja local, com as fragilidades de qualquer processo humano, tem uma história de 40 anos, que é encorajada pelo Concílio Vaticano II e pelas Conferências Episcopais Latino-Americanas.
IHU On-Line – Roma tinha conhecimento da Igreja de Sucumbíos?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Naturalmente, porque não podia ser de outra maneira; nunca se fez nada ocultamente.
IHU On-Line – Como o Vaticano se relacionou com a Igreja de Sucumbíos ou com os Padres Carmelitas durante esses quarenta anos?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Nunca houve uma manifestação contrária e, por isso, não se entende por que razão nunca se pronunciou antes, se via inconvenientes. Tampouco se entende por que não aceitou a renúncia do Monsenhor Gonzalo, quando ele a apresentou no ano de 2000. Por outro lado, o Vaticano solicitou a Monsenhor Gonzalo que continuasse e que esperasse que o Núncio lhe manifestasse algo. Por quê? Somente sabemos que, em 2005, questionaram a formação dos sacerdotes, e, em 2008, o relato da Visita Ad Limina.
IHU On-Line – Na Carta Aberta divulgada durante o Congresso Continental de Teologia Latino-Americana, realizado em São Leopoldo, RS, Brasil, em outubro de 2012, vocês mencionaram um plano sistemático de destruição da Igreja local. Quais são as razões da ameaça do processo de 40 anos da Igreja Comunidade ministerial, missionária e participativa?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Esse plano sistemático começou em 2009 com a visita apostólica do Dom Filipo Santoro, então bispo de Petrópolis, Brasil (hoje arcebispo de Taranto, Itália) à subsequente decisão de remover de maneira desrespeitosa nosso bispo, Monsenhor Gonzalo López Marañon, e enviar para substituí-lo os Arautos do Evangelho, congregação ultraconservadora com o mandato de “implantar de maneira diferente todo o trabalho pastoral”, com a saída dos Padres Carmelitas. Esse plano continuou com a falta de ações para a reconciliação, e contribuição para o caos que criou a quase ausência do Delegado Pontifício. Seguiu-se, posteriormente, com o envio de vários sacerdotes “colaboradores” com o mesmo mandato dos AE; com a proibição de Monsenhor Gonzalo voltar a Sucumbíos; com o desconhecimento, a exclusão e a perseguição das comunidades, dos ministérios e do clero; com o desrespeito e a desvalorização das instâncias de coordenação e a busca de consenso no âmbito de uma Pastoral de Conjunto, como tem sido a tradição da ISAMIS; com as ameaças e agressões às pessoas e aos símbolos de nossa Igreja e a falta absoluta de vontade de negociar do pequeno grupo pró-Arauto.
IHU On-Line – Qual é a situação do Monseñor Gonzalo, bispo emérito de Sucumbíos?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Ele tem mantido, como sempre, a fé no Senhor, a força, a paz interior e a paz com todos, e o carinho pela sua querida ISAMIS, a qual consagrou com todo amor quarenta anos de sua vida, e que leva no coração. Fez um jejum de 24 dias entre maio e junho de 2011 em Quito “para sanar feridas e reconciliar Sucumbíos”. Depois foi à Espanha, para a Universidade da Mística, fazer um curso de espiritualidade, país em que continua vivendo. Mantém sempre a serenidade e o bom humor de homem de Deus, o que o leva a assumir com o sentido cristão da Páscoa e sua dor normal por estar longe de onde gostaria de estar: Sucumbíos.
IHU On-Line – Qual é a situação eclesiástica de Sucumbíos atualmente?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – A situação é de um sentimento muito forte de divisão. Continuam as difamações e agressões por parte do grupo fanático pró-arauto, o empenho em acusar a Igreja Comunidade Povo de Deus de seita, tudo isso com apoio externo, e estão surgindo igrejas paralelas. O que significa isso? Que segue adiante o plano da Igreja Comunidade, o trabalho daqueles que defendem o trabalho missioneiro, o compromisso social, a opção pelos pobres, o plano global de conjunto pensado e mantido com critérios e linha comuns. E, simultaneamente, o grupo de pró-arautos e os padres “colaboradores”, por sua vez, sem proposta pastoral, sem respeitar as instâncias pastorais nem as equipes missioneiras responsáveis pelas paróquias, fazendo uma igreja sacramentária, sem levar em conta processos de evangelização e sem compromisso social.
Continuam as tentativas de desarticular nossas instâncias participativas. Por exemplo, para uma das 16 comunidades da Paróquia da Criança Divina, que se separou da Paróquia na raiz da chegada dos AE, todos os serviços pastorais estão sendo dados pelos padres “colaboradores”, e sendo celebrados em uma cancha desportiva, sem nenhuma intenção de reconciliação nem de aproximação, nem diálogo com a paróquia. Continua a renovação carismática, mas especialmente dona Genoveva Altamirano, alguns padres “colaboradores” e alguns politiqueiros agridem, e difamam as pessoas da Igreja Comunidade e encorajam outras pessoas e grupos a fazê-lo.
A proposta de Monsenhor Paolo Mietto, administrador apostólico desde 7 de março de 2012, a de que Sucumbíos voltaria a ser “Casa e Escola de Comunhão”, está permanecendo somente em palavras, pois suas decisões, pelas pressões externas que sofre, vão desfavorecendo as instâncias da Igreja Comunidade.
IHU On-Line – Já foi nomeado o novo bispo para o Vicariato Apostólico de São Miguel de Sucumbíos?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Não. Ainda não.
IHU On-Line – Como estão as negociações?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Não sabemos nada a respeito. Imaginamos que se manterá a tendência de nomear um bispo que desconheça a tradição de nossa Igreja.
IHU On-Line – Vocês receberam alguma ameaça?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Paulo Torres, um dos nossos quatro sacerdotes incardinados, recebe ameaças. Ele é acusado de perturbar a comunhão eclesial, mas não citam fatos nem argumentos sobre a questão. Apenas solicitam que deixe a paróquia.
IHU On-Line – Qual é a situação dos sacerdotes incardinados em Sucumbíos?
Ruth Elvira Sánchez Rosso e Silvio Cumbicus – Difamações, ameaças e agressões por parte do grupo que demonstrou um fanatismo religioso, desconhecido em Sucumbíos até a chegada dos AE, chegando a pedir a morte de alguns deles; exclusão por parte do bispo em não levar em conta seus projetos e sugestões nem proporcionar espaços para que se os exponham e debatam, com profundidade e com argumentos, as questões pastorais, catequéticas, litúrgicas que eles rejeitam; o favorecimento, com as decisões e nomeações desses padres “colaboradores”, do cancelamento das estruturas de participação; e o caminhar comunitário sobre um planejamento de pastoral conjunta com critérios comuns etc.
NOTAS:
[1] Sucumbíos é uma província do Equador localizada na região geográfica Amazônica. Sua capital é a cidade de Nueva Loja, maior cidade da província. Sucumbíos faz divisa ao sul com as províncias de Napo e Orellana, a oeste com as províncias de Carchi e Imbabura, a sudoeste com a província de Pichincha, a leste com o Peru e ao norte com a Colômbia. É a única província do Equador que faz fronteira com dois países diferentes. Na parte oeste da localizam-se as montanhas orientais dos Andes, onde a maioria dos rios da província nascem. O monte mais importante é o Reventador, um vulcão ativo. A parte leste da província faz parte da Bacia Amazônica, com altas temperaturas. Seu principal rio é chama-se Aguarico. Ele passa próximo a cidade de Nueva Loja e desagua no rio Napo, na fronteira com o Peru. Outros rios importantes são: rio Putumayo, na fronteira com a Colômbia, rio Coca e Napo, ambos no sul da província. O recurso natural mais importante é o petróleo, o que faz de Sucumbíos uma das mais importantes províncias do país.
[2] A Ordem dos Carmelitas Descalços é um ramo da Ordem do Carmo, formado em 1593, que resulta de uma reforma feita ao carisma carmelita elaborada por Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz. Este ramo divide-se em três diferentes tipos de família carmelita: os padres ou frades, as freiras contemplativas de clausura monástica e os leigos consagrados.
[3] Arautos do Evangelho são uma associação religiosa privada de fiéis de direito pontifício, a primeira a ser erigida pela Santa Sé no terceiro milênio, o que ocorreu por ocasião da festa litúrgica da Cátedra de São Pedro (22 de fevereiro) em 2001. Estão espalhados por mais de 78 países. Seus membros se propõem a observar a obediência, a pobreza e a castidade, como muitas ordens religiosas como os Franciscanos e os Carmelitas. Foi fundada pelo monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, nascido em São Paulo dia 15/8/1939, filho de mãe italiana e pai espanhol.
Fonte: UNISINOS