Veja a repercussão da entrevista com o Papa Francisco publicada pelo jornal La Stampa
Igreja, onde se inicia a verdadeira reforma
A primeira e autêntica reforma é a reforma da ‘conversão pastoral’ que Francisco indica como prioridade.
A mensagem central da entrevista com o Papa Francisco, publicada neste domingo nos jornais La Stampa e Vatican Insider, é uma reflexão sobre o Natal. Mas, como sempre acontece, quando se fala com uma autêntica testemunha da fé cristã, as palavras que descrevem o conteúdo desta mensagem não são palavras vazias nem teóricas: contêm conselhos e acentos muito concretos. Assim, por exemplo, destacar o Natal como anúncio de felicidade e não de denúncia das (muitas) injustiças que há no mundo, é um convite para voltar o olhar para o essencial, à superabundância da graça, à resposta humanamente inimaginável representada por um Deus que se faz menino.
As palavras sobre a esperança e a ternura são um convite dirigido a todos: nunca é demasiado tarde para deixar-se surpreender pelo amor de um Deus que nunca fecha as portas. E a capacidade de abraçar, não é uma opção para os cristãos, que são chamados a ser testemunhas da ternura de Deus.
A resposta mais comovente de Francisco foi a da dor inocente das crianças (a falta de um por quê foi evocado também por Bento XVI na entrevista televisiva transmitida na Sexta-feira Santa de 2011, ao responder à pergunta de uma criança japonesa sobrevivente do tsunami) e demonstra uma vez mais como o Papa é capaz de fazer perguntas reais e aproximar-se daqueles que estão longe da fé.
Lendo a entrevista, alguns comentaristas sentiram saudades da ausência de abertura, de anúncios de reforma. “Um cardeal ancião – conta Francisco – há alguns meses me disse: ´A reforma da Cúria começou com a missa diária na Capela Santa Marta’. Isto me fez pensar: a reforma começa sempre com iniciativas espirituais e pastorais antes que com mudanças estruturais”.
Talvez seja este o ponto fundamental: a primeira e autêntica reforma é a reforma da “conversão pastoral” que Francisco indica como prioridade para toda a Igreja, e que se encontra inclusive na Exortação Apostólica Evangelli Gaudium. E encontra-se nas obras diárias escolhidas pelo papa: a missa na Capela Santa Marta e suas homilias simples, compreensíveis e profundas.
Privilegiar o contato com as pessoas, de pastor que tem “o cheiro das ovelhas” e que considera prioritário “sair” para ir buscar aquelas que estão afastadas ou perdidas, inclusive à custa de incidentes no caminho dos quais se teria livrado ficando dentro da Igreja. Isso não significa, obviamente, deixar de lado as reformas estruturais que estão em estudo e que para serem bem feitas necessitam de um tempo adequado. Significa, no entanto, confirmar uma vez mais que a Igreja não é uma empresa e que cada reforma estrutural deve estar orientada apenas para o bem das almas e o anúncio mais transparente do Evangelho.
A propósito dos divorciados recasados, Francisco quis introduzir a questão em um tema muito mais amplo que tem a ver com o casamento e a família, e, sobretudo, insistiu em sua “sinodalidade”.
A valorização dos divorciados recasados, isto é, da colaboração de todo o colégio de bispos, para o papa é prioritária. Assim, sobre os temas relacionados à família – entre os quais se encontra também a questão da exclusão do sacramento daqueles que vivem uma segunda união depois do divórcio – falarão todos os cardeais reunidos no próximo Consistório, que acontecerá em fevereiro, depois no Sínodo Extraordinário de 2014 e, finalmente, no Sínodo Ordinário de 2015.
A consulta e a escuta de todas as comunidades católicas dos cinco continentes, a valorização das Igrejas locais, assinalam um método de trabalho que vai na direção de recuperar plenamente – junto com o primado de Pedro – o aspecto da colegialidade destacado pelo Concílio Vaticano II. A simples menção à sinodalidade é fundamental também nas relações com o mundo das Igrejas ortodoxas.
Uma vez mais, o papa não parece ser reduzível aos clichês preconcebidos de quem, em vez de se deixar “ferir” por suas palavras ou por seu exemplo diário, gostaria de ver confirmados seus próprios medos ou seus próprios esquemas ou inclusive seus próprios sonhos e fugas para a frente.
Vatican Insider, 16-12-2013.
O marxismo segundo o papa: a entrevista circula pelo mundo
Por Paolo Mastrolilli
A entrevista com o Papa Francisco publicada pelo jornal La Stampa está fazendo um giro ao redor do mundo, citada e retomada por todos os meios de comunicação mais importantes. Nos Estados Unidos, a passagem que chamou mais a atenção foi sobre a ideologia marxista, em que o pontífice diz que a considera equivocada, mas acrescenta ter conhecido muitos marxistas que são pessoas boas. Essas frases se tornaram a manchete de sites como o Huffington Post, mas também de artigos publicados por grandes meios de comunicação como a CNN ou a Reuters.
Nos últimos dias, diversos comentaristas conservadores haviam discutido a exortação apostólica Evangelii gaudium, atacando as passagens em que Francisco criticava os excessos do capitalismo. Em particular, Rush Limbaugh (foto acima), talvez o locutor mais conhecido dos Estados Unidos, que disse que as palavras do Santo Padre eram puro marxismo.
Limbaugh é muito ouvido principalmente pelos ouvintes de direita e igualmente criticado pelos da esquerda. Por isso, a resposta do papa imediatamente provocou a reação da mídia. Os artigos de muitos meios de comunicação internacionais que retomaram a entrevista ao La Stampa, no entanto, também publicaram as palavras do pontífice sobre o papel das mulheres na Igreja, as perseguições contra os cristãos e a mensagem geral sobre o valor do Natal.
Nos últimos meses, os conservadores norte-americanos haviam reclamado das posições tomadas por Francisco com relação aos temas da vida, quando ele dissera que não queria falar apenas de aborto. Os mais atentos, no entanto, ressaltaram que essas palavras não significavam uma mudança da doutrina da Igreja, mas sim a vontade de prestar atenção a outras questões.
Trata-se de um aspecto importante da linha do novo Santo Padre, porque poderia mudar também a configuração da relação com o governo Obama. O governo dos EUA, nos últimos anos, tem tido uma relação complexa com o mundo católico, em particular com a hierarquia dos bispos norte-americanos.
Em 2008, a maioria dos eleitores católicos tinham votado nele, mas a Conferência Episcopal o criticou muitas vezes, especialmente pela reforma da saúde que obriga todos os empregadores a fornecer seguros que pagam também por contraceptivos.
Sobre o tema do aborto, é muito difícil que Obama e Francisco encontrem um campo comum, porque um presidente democrata não pode decepcionar a sua base sobre esse ponto, e o papa não pode renunciar a um aspecto fundamental da doutrina da Igreja.
Washington, no entanto, espera que a atenção dada pelo pontífice aos temas sociais permita desenvolver um novo diálogo nesse fronte, apesar da tentativa dos conservadores de boicotá-lo pela raiz, com as acusações contra o Santo Padre de ser marxista.
La Stampa, 16-12-2013.
Leia parte da entrevista do Papa
Papa nega ser marxista, mas não se ofende com o termo
Cidade do Vaticano – O papa Francisco assegurou que não é marxista, mas ressaltou que não se sente ofendido quando o chamam assim, em entrevista publicada nesse domingo (15) pelo jornal italiano “La Stampa” na qual mostra sua preocupação com “a tragédia da fome no mundo”. “A ideologia marxista está equivocada, mas em minha vida conheci muitos marxistas que eram boas pessoas, por isso não me sinto ofendido”, declarou o bispo de Roma.
Trata-se de uma entrevista centrada no Natal, o primeiro do argentino Jorge Bergoglio como papa, na qual reflete também sobre assuntos como a fome no mundo, o diálogo com outras religiões e a economia. Nela Francisco reafirma que a mulher na Igreja tem que ser “valorizada” e insiste que a reforma do IOR, o banco vaticano, “vai pelo caminho justo”, apoiando-se nos últimos relatórios positivos do Moneyval, o mecanismo de controle financeiro do Conselho da Europa.
Mas, para o papa, a maior preocupação é “a tragédia da fome no mundo” que, em sua opinião, tem solução com a cooperação de todos”. Neste sentido, Francisco garantiu que com os alimentos desperdiçados a cada dia seria possível dar de comer a muitíssimas pessoas e fazer com que as crianças que choram de fome deixem de fazê-lo. “No mundo temos suficiente comida para acabar com a fome. Se trabalhamos com associações humanitárias e nos pomos de acordo em não desperdiçar comida, fazendo chegar comida a quem necessita, teremos contribuído para resolver a tragédia da fome no mundo”, propôs durante a entrevista.
Além disso, o bispo de Roma volta a falar da economia, que tanto criticou durante estes primeiros meses de pontificado e que, segundo sua opinião, “mata”. “Quando falo de economia, não falo do ponto de vista técnico. Havia a promessa que, quando o copo transbordasse, os pobres se favoreceriam, mas acontece frequentemente que, quando o copo está cheio, de repente fica maior e seu conteúdo nunca chega aos mais necessitados”, lamentou.
O próximo Natal é o primeiro que Francisco passará como sucessor do apóstolo Pedro e, durante a entrevista, declarou que na noite de 24 de dezembro pensa nos cristãos da Terra Santa que não podem professar sua fé. “O Natal sempre me faz pensar em Belém, um ponto preciso na Terra Santa onde viveu Jesus. Na noite do dia 24 de dezembro penso principalmente nos cristãos que vivem ali e que têm dificuldades pelas quais tiveram que deixar aquela terra. Mas Belém continua sendo Belém”, assegurou.
Em seguida, o papa revelou que “estão trabalhando em sua próxima viagem à Terra Santa” para seguir com “a era das viagens papais” iniciada com Paulo VI em 1964 e cita como sua principal prioridade o diálogo com outras religiões. “Para mim o ecumenismo é prioritário. Hoje existe o ecumenismo de sangue e aqueles que matam cristãos não pedem a carteira de identidade para saber em que igreja foi batizado. Te matam porque levas uma cruz”, concluiu o pontífice.
SIR/EFE
Fonte: Dom Total